quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Como a Islândia saiu de uma crise dramática com o poder do povo (e por que estou indo para lá)


islandia

Vou-me embora para  a Islândia. Lá, não sou amigo do rei, mas tenho um colega de ofício, de nome quase impronunciável, Snorr Reijiid, que me convida e garante que lá serei feliz. “Somos o povo mais feliz do mundo”, escreve ele, num email cheio de pontos de exclamação.
Na Islândia, vou participar das decisões mais importantes do país. Reijiid garante que, desde a crise financeira de 2008, o islandês tomou as rédeas do poder. Qualquer lei pode ser levada a plebiscito se houver 1500 assinaturas — não é muito, mas é: a população do país é de 320 mil habitantes. “Small is beatifiul”, escreve ele. Eu respondo que essa é a população do meu bairro e, às vezes, pelo barulho, parece ser a da balada country do lado da minha casa.
Reijiid conta que a Islândia foi o primeiro país a entrar em crise financeira. Os dois bancos locais simplesmente decuplicaram o nível de endividamento, principalmente com bancos ingleses e holandeses, e, com a crise, teriam que pagar cerca de 3,5 bilhões de dólares. A proposta do governo é que a dívida fosse repassada a cada uma das famílias islandesas, que pagariam sua parte em 15 anos, com juros de 5,5% ao ano. Se fosse aqui, pagaríamos. Afinal, os juros são baixos, é bom negócio. Mas os 320 mil islandeses ficaram bravos. Islandeses são nórdicos vikings e quando se zangam saem arrebentando tudo.
O governo retrocedeu e acabou fazendo um plebiscito para decidir. Resultado: 93% contra o pagamento da dívida, contra o socorro aos bancos e a favor dos nacionalização dos bancos. Foi o que fizeram. De quebra, todos que ocupavam cargos no governo foram demitidos, inclusive o primeiro ministro. Rua neles. Executivos e dirigentes dos bancos foram em cana — quando não se “evadiram” de vez para outras plagas.  Mais ainda: convocaram uma constituinte na qual, entre outras mudanças, consolidaram o poder do povo — que pode vetar, criar e emendar leis, por meio de plebiscitos, passando por cima de qualquer decisão do legislativo. A revolução islandesa sem armas, diz Reijiid. Tudo isso fez com que o processo para ingressar o país na comunidade européia fosse por água abaixo. Mas sabe o que dizem os islandeses a esse respeito? “Graças a Deus…”
Hoje a Islândia vai de vento em popa. Praticamente já recuperou as condições que tinha antes da crise: 5% de desemprego, criminalidade perto de 0, baixíssimo consumo de drogas (se bem que eles gostam de “a good drink”, como diz Reijiid), 97% da população é de classe média e, melhor de tudo: quase toda a população consome livros — na verdade, um, em cada dez islandês, é escritor, garante Reijiid, que escreve poemas e contos existenciais, bastante obscuros, e “nas horas de folga” é pescador. Isso mesmo. Pescador na Islândia anda de Audi, come salmão defumado, joga tênis nos finais de semana e ainda tem mulher bonita. Isso que é felicidade.
Por tudo isso, estou pensando em aceitar o convite de Reijiid. Que meu sangue baiano suporte a média de 3 graus negativos durante os longos invernos e as tempestades de neve, com rajadas de vento de 200 km por hora. Mas tem muitos geisers, que borrifam água quente do solo e, de vez em quando, um vulcão dá sinais de vida para animar a festa. Nada que um brasileiro, acostumado com escândalos políticos, convulsões sociais, violência, trânsito caótico, stress profissional e injustiça social, não possa se acostumar.
Vou-me embora para a Islândia, ser feliz. Antes que eu acabe me convencendo de que sou eu a causa dos problemas daqui — e não queira levá-los para lá.
Sobre o Autor
Jornalista, escritor, cineasta e advogado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário