sábado, 29 de outubro de 2016

Muito mais que 31 / 29 DE OUTUBRO DE 2016 ÀS 01:23 POR WALTER FALCETA

Muito mais que 31
O país da vingança, do autoritarismo e da espetacularização da barbárie
Foto: Reprodução
Somos muito mais que 31, mais, muito mais!
Porque nos acompanha a indignação de quem manifesta repulsa pelo fedor da injustiça, da hipocrisia e do autoritarismo.
Plim-plim: exiba o antes e o depois.
Plim-plim: abra a lente da câmera.
Plim-plim: narre o outro lado da história.
Plim-plim: você manipula, sim, e conspira contra o futebol brasileiro, trabalhando dia e noite pelo tubarões atravessadores, pelas máfias de cartolas e pelos oligopólios de serviços terceirizados que vampirizam os clubes.
Plim-plim: você nos quer como “psites do sofá”, fora do estádio, para nos enfiar cérebro abaixo a sua ideologia e os produtos de seus anunciantes. Você nos quer à força submetidos ao seu projeto de dominação.
Detalhe: não há tamanha fraude que se sustente por tanto tempo. Sua casa platinada vai cair.
Mepezeiros: executem vosso nobre trabalho sem o interesse pessoal, sem convertê-lo em campanha eleitoral.
Prezem a merenda da criançada do nosso Brasil.
Investiguem com zelo. Respeitem o jovem, o negro, a mulher, o mais humilde.
Abandonem as perseguições seletivas e o discurso farisaico. Defendam o povo que paga vossos salários.
Cabulem os coquetéis dos engravatados, os tais “gente de bem”, que raramente são alvos de vossas investigações.
Há ótimos de vocês. Sigam esses.
Casseteteiros: vocês são povo e, por mais que sejam submetidos à lavagem cerebral das corporações, resistam, ergam trincheiras para defender os bons valores.
Não sumam jamais com os Amarildos.
Não eliminem 111 sem julgamento, por mais que entre eles se encontrem os piores delinquentes. Sejam a mais justa expressão da lei.
Não julguem o cidadão da pela etnia, pela cor da pele ou pelas vestes. Porque vocês também são povo. Porque vocês também descendem de famílias humildes, trabalhadoras, oprimidas e humilhadas.
Sejam disciplinados em nome da justiça e da lei, mas é vosso dever rebelar-se contra a tirania e o terror promovido em nome do Estado.
Em favor da ordem, o dever do cassetete é prevenir, conciliar, proteger. Não é jamais provocar, desrespeitar e estabelecer o conflito.
Cartolas do SCCP: tomem vergonha na cara e nunca mais contratem os serviços de quem oprime e desrespeita a Fiel, proprietária de direito do Sport Club Corinthians Paulista.
Manifestem-se. Exijam justiça. Sigam Battaglia e os heróis fundadores.
Porque vossa omissão nos ofende, insulta e envergonha. Que boca silenciosa é esta? Que foi dito quando tantos fiéis foram capturados e encarcerados por guardarem, na sede recreativa, instrumentos para a preparação de churrasco?
E você, cidadão comum, que escandaloso esse silêncio. Causa enorme constrangimento.
Que omissão é essa diante da toga clubista que condena por impulso, sem provas?
Que omissão é essa diante do equívoco vergonhoso que resultou na detenção de cidadãos trabalhadores que nem mesmo se encontravam na área do conflito?
Que omissão é essa diante da seletividade do martelo, que prende aqui e livra acolá, que investiga estes e desconhece aqueles, que transforma o aparato de justiça em ferramenta de vingança bairrista?
Que omissão é esta diante do escarro solene sobre os princípios mais elementares do Direito?
Que saibamos, em nome de nossa própria segurança: a vingança jamais deve pautar o cassetete e o martelo, não importa o delito cometido.
Nosso país vive hoje um regime de exceção, em que homens e mulheres são condenados por mera suspeita, por ódio de classe ou por conveniência política.
Não podemos, nunca, nos conformar com a conversão do Brasil em um enorme Carandiru, em que os cidadãos, contribuintes, pais de família, trabalhadores, mesmo inocentes, são desnudados, agredidos e humilhados em ambiente público, para deleite mórbido da emissora do plim-plim.
Neste sábado, aos 31 minutos, saquemos nossas camisas, para manifestar a mais nobre solidariedade aos 31 detidos do Maracanã.
Depois, nunca mais. Não há lei que nos obrigue. Desobedeça, como fariam Gandhi, Luther King e Mandela!
Porque somos mais, muito mais que 31.

quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Carmen Lúcia, uma Ministra sem noção TER, 25/10/2016 - 15:08 ATUALIZADO EM 25/10/2016 - 16:42 Luis Nassif

A Ministra Carmen Lúcia é fruto direto da espetacularização da Justiça que ocorreu a partir da AP 470. O jornalismo de celebridades abriu uma porta para Ministros com menor potencial analítico. De repente, se deram conta de que poderiam ganhar protagonismo explorando frases de efeito, mas, principalmente, obedecendo ao roteiro preconizado pelos grupos de mídia.
E, como o palanque da mídia não obedece a rituais, a procedimentos, a limites impostos pela própria Constituição, com suas declarações e decisões Carmen Lúcia vem extrapolando de forma temerária as atribuições do STF (Supremo Tribunal Federal), mostrando um amplo desconhecimento sobre as relações entre poderes.
Ontem assumiu a posição de líder corporativa, atacando o presidente do Senado por críticas dirigidas a um juiz de primeira instância, mostrando – ela própria – um populismo e uma falta de decoro indesculpável nas relações com outro poder da República.
Agora, pretende colocar o STF no centro de uma política de segurança interna, inclusive com a convocação do Estado Maior das Forças Armadas, Ministérios da Justiça e da Defesa, para definir sabe-se lá o quê.
Sua falta de noção não tem limites. E o palco aberto pela mídia permite-lhe toda sorte de abusos verbais.
Carmen Lúcia, assim como Ayres Brito, surfou nas asas do lulismo. Depois, abjurou. Nada demais se abjurasse em relação ao partido, não às suas crenças pessoais. Mas, de defensora de direitos humanos, foi se tornando, cada vez mais, uma avalista dos discursos de ódio e defensora da política mais temida pelos especialistas em direitos humanos: a militarização da segurança pública.
Dos blogs de esgoto, assimilou o chavão de que a única forma de censura é a do politicamente correto. Como se expressões como "negro bandido", "feminista sapatona", "viadinho" representassem o exercício da liberdade de expressão.
Ou então, o uso inexcedível da palavra canalha:
- Nós, brasileiros, precisamos assumir a ousadia que os canalhas têm
Assim como Ayres Brito, Carmen Lúcia vale-se do paradoxo do exibicionismo da simplicidade. Lembra o ex-ponta esquerda da seleção, Dirceuzinho: “Eu tenho uma humildade fora de série”.
Na sua posse, a descolada Carmen Lúcia aboliu os rituais e, com a simplicidade dos muito humildes, convocou um dos popstars brasileiros, Caetano Velloso, para cantar o Hino Nacional.
Se diz contra o uso da palavra “Corte” ou do tratamento de “Excelência” porque dotada de uma humildade fora de série. E tem especial predileção em recorrer à sabedoria caipira, banalizando uma das mais antigas e interessantes culturas do país.
Certa vez, o embaixador Walther Moreira Salles reagiu quando a imprensa começou a tratar determinado político depreciativamente como caipira:
- Caipira é o sujeito que, a partir do seu canto, consegue entender o mundo. Ele não é caipira: é apenas provinciano.
Julgando o caso de um juiz que abrigou um advogado em sua casa, Carmen Lúcia saiu-se com essa pérola:
- Não me digam que porque é no interior, que não tem lugar para morar. Tem em todo lugar. Quem leva alguém para dentro de casa há de saber, a minha mãe, como a mãe de todos aqui, deve ter dito a mesma coisa: diga-me com quem andas que te direis quem és.
Mãe é mãe. Ou então, confundindo ética pessoal com o conhecimento da ética:
- Não quero que alguém se forme em ética depois. Eu quero que quem concorra [nos concursos] tenha condições éticas.
Não explicou de que forma o candidato iria apresentar as “condições éticas”. Provavelmente através de atestado médico.
Ou então, esse primor do lirismo macabro, que superou o próprio Nelson Cavaquinho:
- Quando me encontrarem morta, ninguém vai me ver de braços cruzados, diante do que tem sido a minha luta para que a gente tenha um Brasil justo.
A frase mais célebre, que nem o Conselheiro Acácio conseguiria superar:
- Quero avisar que o crime não vencerá a Justiça. A decepção não pode vencer a vontade de acertar no espaço público. Não se confunde imunidade com impunidade. A Constituição não permite a impunidade a quem quer que seja.

A comandante e seus subordinados

Nos postos de comando que exerceu, deixou mágoas em muitos funcionários por seu estilo brusco, autoritário, muito diferente da imagem pública da doce professorinha mineira.
Na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em pelo menos duas ocasiões cometeu erros graves e tentou jogar nas costas dos funcionários.
Um dos episódios foi na divulgação dos filmetes de educação eleitoral. A agência de publicidade preparou 14 prospects de filmetes. Carmen deveria aprovar a proposta, antes que fossem confeccionados. Demorou e só liberou 9.
Quando o TCU cobrou a não veiculação dos 15 filmes, quis jogar o funcionário na fogueira. Recuou apenas quando se deu conta de que ele estava bem documentado sobre os motivos da não veiculação dos 6 filmetes.
Outro episódio grave foi na entrega dos CPFs dos eleitores para a Serasa Experian. A autorização partiu de Carmen Lúcia. Quando o escândalo estourou, jogou a responsabilidade sobre uma funcionária do TSE.

A gerente confusa

Embora aprecie usar palavras-chave do gerencialismo – como transparência, eficiência, racionalidade - Carmen Lúcia deixou inúmeras dúvidas sobre sua capacidade na organização de processos.
No TSE, os juízes conversavam antes e os processos onde havia consenso eram apresentados e votados em bloco. Deixava-se para o plenário apenas aqueles nos quais os advogados solicitassem sustentação oral ou que não houvesse consenso entre os juízes.
Quando assumiu a presidência, Carmen Lúcia passou a colocar todos os processos em votação individual, com sessões que se estendiam muitas vezes até às 22 horas.
Mais que isso, ordenou a separação em grupos distintos os agravos regimentais e os recursos especiais. O agravo é feito justamente no âmbito de um recurso especial que não foi recebido. Se o agravo for bem-sucedido, passa-se ao julgamento do recurso especial. Portanto, ambos - o recurso especial e o agravo - fazem parte de um mesmo processo. Separando ambos, provocou-se uma barafunda nos processos, mostrando falta de visão na organização do trabalho interno.
Defensora da celeridade da Justiça, suas gavetas guardam há anos processos complexos, que exigiriam um bom nível de discernimento.
Sua falta de discernimento ficou patente em uma ação que buscava reservas de vagas para deficientes na Polícia Federal. Uma ação individual pela vaga acabou transitando em julgado. Quando a ordem chegou para a PF, os delegados vieram em peso falar com Carmen Lúcia. Já tinha passado a fase de recurso. Mesmo assim, ela proferiu uma decisão de esclarecimento, figura esta que não existe no Código de Processo Civil. Numa sentença surreal, disse que a PF deveria fazer reserva, mas poderia dizer de antemão qual deficiência seria aceita ou não.
O Ministério Público Federal entrou com recurso mostrando as contradições da sentença, mas ela indeferiu alegando que a decisão já tinha transitado em julgado.
Hoje em dia, quem defende cotas na PF usa a sentença de Carmen Lúcia. E quem não aceita, usa também, mostrando sua dificuldade em decidir sobre temas complexos.
Em vez de clarear, confundiu mais ainda.
Defensora da celeridade nos julgamentos, desde 21 de abril 2013 dorme nas gavetas de Carmen Lúcia a ADIN 4234 (http://migre.me/vkVNY), que trata da questão da patente pipeline. Foi proposta pelo então Procurador Geral da República Antônio Fernando de Souza, atendendo a uma representação da Federação Nacional dos Farmacêuticos, em cima das decisões da Rodada Uruguai da OMC (Organização Mundial do Comércio) e da Lei de Patentes.
Dispõe sobre a questão das patentes, o que seria novidade, o que seria domínio público e quais seriam passíveis de retroatividade. Dependendo da decisão, terá grande impacto no custo dos medicamentos.
Como é tema complexo, que não se resolve com uma frase de efeito, dorme em gaveta esplêndida, enquanto Carmen Lúcia se preocupa em reorganizar a segurança pública.

Porque a presidente do CNJ não deve entrar no jogo corporativo dos juízes Publicado por Marcelo Auler em 25 de outubro de 2016

Eugênio José Guilherme de Aragão*

O anúncio da nomeação de Eugênio Aragão preocupa delegados da Polícia Federal os quais, no passado, representaram contra o hoje subprocurador.A discussão foi em torno de vazamento de documentos de operações policiais. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.
Eugênio Aragão: “Quando autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas”. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ.
A liturgia do cargo público não é mero exercício de vaidade e de ego. Ela é um marco do republicanismo, que determina ser o exercício de função pública uma atividade impessoal. Quem está investido nela não deve a enxergar como um galardão adquirido em razão de qualidades pessoais, mas precisamente porque foi chamado a servir ao público. A liturgia lhe serve de proteção, para qualificar a função e não a si.
Juízes, por exemplo, lidam diariamente com conflitos. Ao decidirem sobre uma causa, tornam um dos litigantes vencedor e outro perdedor. Aquilo que pode significar, para o magistrado, apenas um número em sua estatística de produção mensal, na alma do perdedor pode ser uma catástrofe pessoal. O que o leva a não ir às vias de fato com aquele que vê como seu malfeitor? É a aura da liturgia que inspira o respeito necessário a criar uma barreira de blindagem relativa.
Quando, porém, autoridades se comportam como moleques, como moleques serão tratadas. Se adotarem discurso e comportamento de botequim, não poderão se queixar quando começarem a voar garrafas e sopapos.
Temos assistido quase diariamente comportamentos fora do script litúrgico por parte de magistrados, a começar por alguns do andar de cima. Têm sido muito cúpidos em dar entrevistas, falar fora dos autos, opinar sobre tudo e todos. Têm adotado posturas controvertidas e, por vezes, até mesmo político-partidárias em discursos públicos, seja nos tribunais ou fora deles.
A desfaçatez de mudar ostensivamente de opinião, conforme o momento político e o alvo das ações jurisdicionais, chega a causar náusea àqueles que assistem a esse circo quase cotidiano. Esse tipo de atitude cai bem em conversa de bar, onde a inconsequência regada a álcool tudo permite, tudo perdoa, mas não no exercício de função pública.
Dos magistrados se espera autocontenção e não exibicionismo. Infelizmente há, entre nós, magistrado que se fez notório e não é um bom exemplo de autocontenção.
A despeito de gozar de exclusividade para cuidar só de um universo de processos supostamente conexos, decretada por seu tribunal, aparentemente em virtude de sobrecarga que esse universo representa, esse juiz tem viajado Brasil e mundo afora para dar palestras, receber prêmio de bom-mocismo e participar de talk-shows.
Tem tido tempo de sobra para difundir seu moralismo obsessivo sobre os fins da persecução penal de “corruptos”, a ponto de virar super-herói de uma parte desorientada da sociedade, cuja bronca turva sua visão sobre o crítico momento político vivido pelo País. Para fugir das garrafadas e dos sopapos, anda com séquito de seguranças e deles vive cercado no trabalho e em casa. Torna-se, assim, personagem controvertido, agente de disseminação de incertezas, ao invés de se limitar a oferecer segurança jurídica a seus jurisdicionados.
Isso não é vida de juiz. Mas, ainda que não faça sentido, no sadio senso comum, essa imagem distorcida que se oferece de um magistrado, tem sido exemplo para muitos outros de sua corporação, que também querem compartilhar desse espaço de afago público a egos jurisdicionais.
Para tanto, assinam até abaixo-assinado de defesa do colega premiado de bom-mocismo, quando se torna alvo de críticas mais ou menos acerbas. Alguns foram às manifestações “contra a corrupção” convocadas para derrubar governo, manifestam-se cheio de emoção em perfis de Facebook e, depois, deram provimento liminar para impedir posse de ministro de estado.
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Renan Calheiros: “tenho ódio e nojo a métodos fascistas” – Foto: reprodução
Num ambiente desses, a reação de veemente indignação pública do Presidente do Senado Federal, Renan Calheiros, contra o “jabaculê” determinado nas dependências daquela Casa Legislativa por juiz de primeiro grau de Brasília, não deve causar surpresa.
Expressou nada mais que seu protesto institucional contra aquilo que entendeu ser um abuso de magistrado incompetente para tanto, pois o alvo da diligência da polícia judiciária eram agentes da polícia legislativa que tinham procedido a varreduras eletromagnéticas em locais de trabalho e residência de Senadores que seriam alvos de investigação criminal.
Essas varreduras tinham sido determinadas pela administração do Senado a pedido dos próprios Senadores alvejados. Se as varreduras foram pedidas por estes e se entenda que elas constituem embaraço a justiça, em tese são os Senadores objeto da escuta ambiental que deveriam ser questionados sobre a iniciativa. Isso, evidentemente, atrairia a competência do foro por prerrogativa de função que é o Supremo Tribunal Federal.
Tanto mais é surpreendente, isto sim, que a Presidente do Conselho Nacional de Justiça vá à imprensa, não para admoestar magistrados que ultrapassam a linha do bom senso em suas atitudes e decisões, mas para se dirigir com dedo em riste ao Presidente do Senado Federal, com discurso não menos surpreendente de se ver como destinatária de cada crítica que se faça em tom mais ou menos contundente a magistrados que procedem de forma, no mínimo, controvertida.
Carmem Lúcia: " quando um juiz é destratado, eu também sou". Foto: CNJ
Carmem Lúcia: ” quando um juiz é destratado, eu também sou”. Foto: CNJ
O Conselho Nacional de Justiça é órgão de controle externo da magistratura e tem, também, uma atuação correcional em relação a estes. Não deve a dirigente do órgão se confundir com aqueles que deve disciplinar, pois assim fazendo, reforça os desvios de conduta e se porta feito porta-voz de uma corporação e não de uma instituição.
Não é mais novidade para ninguém que certos padrões de comportamento de elevado risco para o governo das instituições no País têm fundo corporativo. É mostrando os dentes que as mais poderosas categorias do serviço público se alavancam para negociar vantagens.
Não é à toa que suas associações de classe são recebidas nos gabinetes parlamentares e em órgãos de gestão financeira do executivo com tapete vermelho, água gelada e café, enquanto aos servidores comuns e mortais só resta a via da greve e das manifestações públicas.
Não é à toa que essas categorias musculosas estão no topo da cadeia alimentar do Estado brasileiro, recebendo ganhos desproporcionalmente superiores a outros servidores que exercem suas funções com igual ou maior denodo e risco pessoal que Suas Excelências. Trata-se de grave distorção no sistema de remuneração do setor público brasileiro, que em nada contribui para sua eficiência.
Ao invés de querer colocar limites aos reclamos do Presidente do Senado Federal, a Senhora Presidente do CNJ faria melhor em dar sua contribuição para a contenção de atitudes de risco dos magistrados e buscar diálogo entre poderes para impor ordem ao sistema remuneratório do serviço público federal.
O melhor caminho para isso seria a desvinculação de todos os ganhos de servidores daqueles de atores que estão em posição de puxar o trem e gastos com aumentos a seu favor: Presidente e Vice-Presidente da República, Ministros de Estado, Ministros do Supremo Tribunal Federal, Deputados e Senadores.
Norma constitucional deveria vedar essa vinculação e dispor que o teto do serviço público (excluídos o dos atores políticos mencionados) fosse estabelecido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias e o ganho de cada categoria devesse guardar proporção, com base nos vetores de risco e complexidade, com as demais, de sorte que não se admita que um general de exército ganhe brutos em torno de 14.000 reais mensais, um professor titular de universidade receba cerca de 12.000 reais, quando um jovem membro do ministério público seja remunerado com quase 30.000 reais no mesmo período.
Para articular essa revolução de ganhos, que seja capaz de neutralizar condutas de risco de categorias por prestígio, é fundamental o consenso entre os poderes da República, para constituir o SINAGEPE – Sistema Nacional de Gestão de Pessoal, integrando os três poderes e, aos poucos, as administrações estaduais e municipais através de matriz única de ganhos, quiçá regionalizando-a e submetendo-a a um fundo solidário de compensação de debilidades financeiras dos entes que compõem a Federação.
Só assim se coloca cada agente do Estado em seu quadrado. Zela-se pelo controle universal de gastos de pessoal e se moraliza a atuação dos diversos atores nos três poderes de modo a se estabelecer, no Brasil, pela primeira vez, um “Berufsbeamtentum”, um funcionalismo profissional como existe em outras economias mais fortes deste planeta.
* Eugênio José Guilherme de Aragão: Ex-Ministro da Justiça e Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília

O implacável cassetete anticorinthiano

O cassetete exerce a força coercitiva do Estado. Ele defende preferencialmente os interesses de quem detém o poder. Ele é péssimo na prevenção; mas se excede na repressão. E exerce sua violência especialmente contra o jovem, o negro e o habitante das periferias.
O cassetete é, por natureza, anticorinthiano. Porque o poder tradicional no Brasil nunca engoliu o Corinthians, um clube nascido do povo, para o povo, capaz de tornar o mais humilde um protagonista no teatro das lutas sociais.
O poder tradicional nunca engoliu o Corinthians, uma instituição que derrubou preconceitos, patrocinou o ecumenismo, misturou etnias e promoveu convergências civilizatórias entre membros de diferentes classes sociais.
Os clubes de futebol das famílias letradas e endinheiradas jamais engoliram o Corinthians. Tentaram isolá-lo, imobilizá-lo, impedi-lo de participar das principais competições do ludopédio. Tentaram conduzi-lo à falência.
Representantes do interesse desses poderosos, os jornais tradicionais nunca engoliram o Corinthians. Houve um que pediu a dissolução do Corinthians e a distribuição de seus craques entre os clubes da elite.
Em sua longa e vitoriosa história, o Corinthians sempre foi hostilizado pela prensa e pelo cassetete. Porque o corinthiano é naturalmente identificado como o intruso, como o invasor, como o penetra na festa da gente chique.
Era tido como o time dos “suados”, da “pretalhada”, dos “carcamanos anarquistas”, dos “carroceiros”, do “populacho”, dos “encrenqueiros da Várzea do Carmo”. O poder tradicional nunca engoliu o Corinthians, especialmente quando os corinthianos conquistaram, no dia a dia do labor, a merecida inclusão social.
Pois o povo fiel supera desafios, triunfa e contribui para fazer avançar o rito civilizatório. É o operário que logra êxito na luta por um refeitório digno. É a mulher que converte em lei a proteção à maternidade. É o jovem voluntarioso que constitui seu negócio, desenvolve-se, prospera e inova para o bem de toda a comunidade.
O corinthiano é o lugar de todas as mestiçagens. É o locus dos encontros históricos da fraternidade, a arquibancada de madeira onde um italiano da Calábria divide sua laranja com um japonês de Okinawa, recém-chegado ao Brasil.
E a elite antiga, quatrocentona, bandeirante ou descendente dos cortesãos de Dom João VI nunca engoliu bem a construção desse rito de generosidade cidadã e de vivência plena da democracia.
É lógico, o Corinthians ganhou também a adesão de bacharéis ou de industriais, mas daqueles que se educaram para compreender o corinthianismo e compartilhar os valores solidários de Miguel Battaglia e dos outros heróis fundadores.
A elite ignara, estúpida, mesquinha, no entanto, nunca compreendeu o Corinthians e nutre, ainda hoje, ódio virulento contra o “Time do Povo”.
O que o cassetete faz é materializar esse rancor, essa raiva, essa mágoa contra os sediciosos alvinegros.
Por isso, até recentemente, em seus treinamentos de força bruta, o cassetete público empregava um ator fantasiado de corinthiano para representar o bandido a ser caçado, reprimido e capturado.
O horror do cassetete em 23 de Outubro, no Maracanã, apenas dá prosseguimento à história.
Há daqueles bravos demais do nosso lado, que merecem um pito? Verdade! Mas qual história não se narra do episódio do Maracanã?
Nada se diz da hostilidade contra corinthianos na entrada do estádio carioca. Nada se diz sobre os flamenguistas que tentaram invadir nosso setor nas arquibancadas. Nada se diz sobre a estupidez dos cassetetes que misturavam o ofício público, o tosco bairrismo e a preferência clubística. Nada se diz do cassetete que dispara o spray de pimenta contra os alvinegros, enquanto a seu lado um rubronegro se excede livremente em vandalismos.
O cassetete carioca é vergonhosamente seletivo. O rubronegro tudo pode, mesmo se ferindo flagrantemente a lei. O alvinegro, ao contrário, é alvo de violência antecipada, de preconceito, de humilhações indizíveis, de injustiças que causam repugnância a qualquer bom espírito.
A narrativa dos fatos é editada. Não se conta o antes, tampouco o depois. A TV detratora se vale de imagens que flagram um momento específico do conflito.
Como sempre, generaliza-se a autoria do suposto delito. Criminaliza-se o Corinthians e o corinthiano. É forma também de desviar a atenção, pois em campo o poder, representado pelo apito, agiu deliberadamente para prejudicar o clube visitante.
Essa narrativa adulterada é da imprensa hegemônica, essa mesma que conta os fatos em fatias que interessam ao poder, às oligarquias, às máfias de cartolas corruptos e tubarões atravessadores que controlam o futebol brasileiro.
Criminalizar o torcedor é objetivo maior da rede do plim-plim, esta que vampiriza e envenena o futebol brasileiro. Se os valentes corinthianos a identificaram publicamente como manipuladora, certo é que se tornaram alvo de sua ira. Ela, portanto, recorta os fatos, edita a realidade, omite, distorce e mente, seguindo seu padrão de fraude noticiosa.
E todo esse trágico engodo tem uma razão, que não pode ser esquecida. O Corinthians é luminoso demais, espetacular demais, cresceu contra tudo e contra todos. Concedeu vez e voz aos antes danados da terra, aos pequenos, aos oprimidos, aos humildes capazes de formidáveis realizações.
Com suas vitórias heroicas, inspirou o povo a reclamar direitos, constituir justiça e conquistar protagonismo no teatro das relações sociais. E isso o poder não engole.
O cassetete insano, brutal e ignorante é expressão de seu ressentimento.

terça-feira, 25 de outubro de 2016

'NÓS SOMOS!', POR RAFAEL CASTILHO /25/10/2016

Nós somos tudo aquilo que vocês mais detestam.
Somos aquilo que deixa vocês com medo.
Porque vocês não entendem, não sabem ao certo como enxergamos o mundo.
Não conseguem prever como pensamos.
Isso os apavora.
Não conseguem nos controlar, porque sequer imaginam o nosso próximo passo.
Somos imprevisíveis porque não fazemos parte do mundo de vocês.
Somos mais ameaçadores para os poderosos do que qualquer organização política.
Nós somos a ideia que não tem dono. Somos o pileque que extravasa. Somos o que se fala pelas esquinas. Somos o que anda na cabeça do povão.
Somos o risco que vale à pena. Somos a consciência de classe possível nesse mundo de alienação. Somos o inconsciente coletivo. Somos o empoderamento.
Nós somos a voz de quem não tem voz. Somos um movimento social com trinta milhões de líderes.
Nós somos a anticolonização. Nós somos o clube dos refugiados. Nós somos quem sofreu na seca, nas guerras, no tronco.
Nós somos uma mesquita que foi bombardeada.
Nós somos o judeu esmagado no campo de concentração.
Nós somos o negro escravizado. Amontoados num navio negreiro ou numa cela de cadeia.
Nós somos a mulher que foi espancada pelo marido.
Somos o pobre espremido no transporte público.
Nós somos a reputação destruída pela mídia bandida.
Nós somos o pai de família que ficou desempregado.
E vocês nos querem com medo. Nos querem humilhados.
Vocês nos querem sem condições de acreditar em nós mesmos.
Por isso nossa vitória ofende tanto vocês! Por isso as nossas glórias acabam por ser desmerecidas.
Por isso a nossa casa "foi dada de presente", num suposto conluio qualquer.
Caras de pau! Justo vocês que roubaram um país inteiro! Que tomaram todas as nossas riquezas e viraram donos de quase tudo aquilo que seria propriedade de todos. Que geraram milhões de miseráveis. Que num país tão grande, com tanta terra, deixaram milhões pessoas vivendo nas ruas ou nos barrancos.
Hipócritas!
Vocês querem, mas não conseguem, dobrar nossa coluna.
Por isso nossos irmãos são torturados por genocidas com credencial para exterminar o povo. Fazem isso todos os dias. No estádio ou na favela. Rastejam vergonhosamente para os poderosos e pisam do pescoço de quem é pobre. Capitães do Mato!
Tudo isso, sob o sorriso cúmplice de quem se faz de santo, mas vive com ódio no coração. De quem diz ser "de família", mas despreza a mãe pobre que chora a perda de um filho. Que ajoelha em nome de Deus, mas é incapaz de sentir amor pelo próximo. Que reza apenas pela própria conta bancária.
Sim, nós somos aqueles que "mereceram apanhar". Somos da turma onde "não tem santo". Somos aquela parte da sociedade que ninguém se importa quando o morro desliza. Somos a senhora negra que não é recolhida pela ambulância. Somos quem não merece advogado. Somos a tragédia que vira estatística. Somos quem "tem mais é que morrer".
Quem conhece nossa história sabe que já nascemos estigmatizados. Foi assim desde sempre.
O desprezo de vocês, apenas nos torna mais fortes.
O ódio de vocês nos faz cada dia mais unidos como irmãos. Como filhos de Deus.
Nossos instrumentos de solidariedade são indestrutíveis.
Sim, nós somos a Fiel Torcida.
Ninguém vai render o nosso amor pelo Corinthians, simplesmente porque nós somos tudo isso que já foi dito, até mesmo quando não sabemos ao certo que somos.
Porque nós não somos matéria. Não somos um corpo físico torturado no Maracanã, nem o concreto do estádio de Itaquera.
Nós pairamos no ar. Nós somos a presença de espírito. Vocês nunca vão nos destruir porque habitamos nas mentes rebeldes e nos sonhos encantados de muitos outros que irão se levantar em seu nome, Sport Club Corinthians Paulista. A nossa casa, a nossa pátria, a nossa família, o nosso mundo.
A nossa vida!
Vai Corinthians!