quarta-feira, 29 de maio de 2019

Reprodução de texto

Blog da Igualdade
2 h ·
No Brasil, é pra lá de "dopadas". Veja esse relato que circula na rede:
"Para refletirmos, reproduzo o texto da Jussara de Azeredo Sá:
"Eu conversei com uma mulher, 27 anos, faxineira, que nunca ouviu falar de Chico Buarque; com uma gerente de banco, 45 anos, que disse saber que Camões é português, mas não sabe quem é;
com um rapaz de 23 anos, desempregado, que não tem a menor ideia de onde fica Cannes; com um motorista de aplicativo, de 40 anos, que pensa que Paulo Freire foi presidente do Brasil e que o prefeito de PA ainda é o Fortunatti; com uma florista de 60 anos que acha que Olavo de Carvalho é um general e Paulo Freire um deputado ou senador; com uma moça, 20 anos, caixa de SM, que acha que Festival de Cannes pode ser um concurso de cachorros e Camões um rei português; com um médico, 42 anos, que vive e trabalha em PA e que não conhece o Teatro São Pedro, pois nunca pisou no centro da cidade; com uma nutricionista, 26 anos, que não conhece o Teatro São Pedro porque não gosta de teatro; com um estagiário de arquitetura, 22 anos, que acha que são quatro poderes no Brasil: planalto, assembléia, polícia e juiz; com uma estudante de enfermagem, 34 anos, que nunca ouviu falar em estado democrático de direito, só de estado, e que no Brasil tem um monte; com uma moça que trabalha de cuidadora de idosos, de 38 anos, que pensa que Albert Einsten é o nome do médico dono de um grande hospital em SP; com uma atendente de loja de roupas, 26 anos, que nunca ouviu falar de Olga Benário. A gerente, 32 anos, não tinha certeza, mas acha que ela foi mulher do Hitler; com uma estudante que se prepara para o vestibular de medicina, 18 anos, que já ouviu falar em Kleber Mendonça e que acha que ele já foi prefeito, só não lembra onde; com a dona de um salão de beleza, 37 anos, que pensava que Chico Buarque já tinha morrido; com um dono de padaria, 41 anos, que me garantiu que na ditadura tinha mais segurança porque naquela época tinha pena de morte no Brasil, e que nos EUA não tem violência porque tem pena de morte; com um porteiro de prédio, 38 anos, que não sabe quem foi Jânio Quadros, mas que acha que era um que tinha o apelido de Jango e que tentou dar um golpe no Getúlio; com um aluno de cursinho, 19 anos, que quer ser fisioterapeuta e confunde constituição com instituição e estado democrático de direito com estado de sítio (!); com um taxista, 58 anos, que me disse que Moro é o único deputado que não rouba; com uma moça que se formou em Radiologia e trabalha de caixa numa lotérica, 29 anos, que acha o Sergio Moro um gato e que até ela queria ser presa por ele. Sobre Camões, me perguntou se era um yotuber; com um camelô, 29 anos, que não sabe o que é filosofia, mas se querem acabar é porque deve ser putaria; e todos eles acham que excludente de ilicitude deve ser nome de medicamento.
A questão é: com quem a gente pensa que está falando?!
Nós somos patéticos!"
Assim dá para entender os votos tão absurdos dos brasileiros. Nem tudo é fascismo. É muita ignorância.
(Via Ana Paula Moraes)

quarta-feira, 22 de maio de 2019

PREMIO CAMÕES , só podia ser o CHICO


GANHAMOS NÓS
Jornalista português e editor do Diário de Notícias, Pedro Tadeu, homenageia lindamente nosso Chico Buarque de Holanda nesse comovente texto abaixo.
Quando recebi no telemóvel o alerta "Chico Buarque ganha o Prémio Camões" senti-me no direito de comemorar uma vitória: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!".
Fui ler a notícia. Os seis membros do júri explicavam a razão desta atribuição do galardão literário pela "contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa".
E o que é que este português, de 55 anos, que escreve estas linhas, aprendeu com Chico Buarque?
Aos cinco anos de idade o meu corpo saltitava sempre que no rádio grande do meu pai soava "A Banda", a música que, quando passava, diz o verso final do refrão, ia "cantando coisas de amor". Chico Buarque impulsionou-me a dança.
Aos 10 anos de idade percebi como um indivíduo sozinho nada pode contra o cerco violento da indiferença. Bastou-me ouvir a história circular do operário de "Construção", que "morreu na contramão atrapalhando o sábado". Chico Buarque ensinou-me a identificar a injustiça social.
Aos 11 anos de idade percebi a inutilidade da divindade quando o coro masculino MPB4 repetia, em Partido Alto, "Diz que Deus dará/ Não vou duvidar, ô nega/E se Deus não dá?/Como é que vai ficar, ô nega?". Chico Buarque deu-me razões para ser ateu.
Aos 12 anos de idade intui, com os versos de Fado Tropical, como a brutalidade da colonização sangrou a pele dos povos e como as cicatrizes prevalecentes demoram séculos a fechar: "E o rio Amazonas/Que corre Trás-os-montes/E numa pororoca/Desagua no Tejo/Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal/Ainda vai tornar-se um Império Colonial". Chico Buarque ofereceu-me uma identidade, um medo e uma esperança na Lusofonia.
Aos 13 anos de idade percebi, pela letra do pseudónimo Julinho da Adelaide (um autor inventado, usado para ludibriar a censura da ditadura brasileira, que até falsas entrevistas deu aos jornais...), que confiar na polícia pode ser perigoso, como constata "Acorda amor": "Tem gente já no vão de escada/Fazendo confusão, que aflição/São os homens/E eu aqui parado de pijama/Eu não gosto de passar vexame/Chame, chame, chame, chame o ladrão, chame o ladrão". Com Chico Buarque descobri que, às vezes, está tudo certo se se ficar do lado errado.
Aos 14 anos de idade conspirei o sentido da canção "O que será (à flor da pele): "Será, que será?/O que não tem decência nem nunca terá/O que não tem censura nem nunca terá/O que não faz sentido..." Chico Buarque revelou-me o secreto significado da palavra "liberdade".
Aos 15 anos de idade compreendi, ao ouvir "Mulheres de Atenas", que a minha mãe, a minha irmã e a minha namorada viviam num mundo pior do que o meu: "Mirem-se no exemplo daquelas mulheres de Atenas/Geram pro seus maridos os novos filhos de Atenas/Elas não têm gosto ou vontade/Nem defeito nem qualidade/Têm medo apenas". Chico Buarque justificou-me o feminismo.
Aos 16 anos de idade espantei-me com o atrevimento de "O Meu Amor". "Eu sou sua menina, viu?/E ele é o meu rapaz/Meu corpo é testemunha/Do bem que ele me faz". Chico Buarque fez-me entender como o sexo pode, ou não, fazer um par com a palavra afeto.
Aos 17 anos comovi-me com "Geni", a prostituta que salva a cidade mas que a cidade despreza: "Joga pedra na Geni!/Joga bosta na Geni!/Ela é feita pra apanhar!/Ela é boa de cuspir!/Ela dá pra qualquer um/Maldita Geni!". Chico Buarque confrontou-me com a dignidade dos indignos.
Aos 18 anos de idade a história de "O Malandro" exemplificou-me como é sempre o mexilhão que se lixa: um tipo que foge de um tasco sem pagar a cachaça que bebeu provoca uma crise mundial. Mas, no final das crises, há sempre um bode expiatório: "O garçom vê/Um malandro/Sai gritando/Pega ladrão/E o malandro/Autuado/É julgado e condenado culpado/Pela situação". Chico Buarque antecipou-me a globalização e fez de mim um comunista.
Aqueles anos foram os tempos do meu caminho até à chegada à idade adulta, uma época anterior aos romances que Chico Buarque escreveu e que completam, com a verdadeira poesia de muitas das suas canções, um currículo mais do que suficiente para a atribuição do mais importante prémio literário em Língua Portuguesa.
Aqueles anos foram os tempos que moldaram o meu carácter.
Aqueles foram os tempos que moldaram o carácter de tantos outros e de tantas outras que, como eu, cresceram a ouvir estas canções mas que entenderam nelas tantas coisas que eu não entendi, que compreenderam nelas tantas coisas que eu não percebi, que tiraram conclusões destes textos muito diferentes das que eu tirei.
Mas, tenho a certeza, apesar de pensarem e sentirem de maneiras tão diferentes da minha, ontem, milhões de vós, ao saberem da notícia do Prémio Camões atribuído a Chico Buarque, tiveram o mesmo impulso que eu e comemoram: "ganhei eu, caramba, ganhei eu!"