sábado, 14 de julho de 2018

Discurso final de ‘O grande ditador’, de Charlie Chaplin (1940)

O discurso:
“Sinto muito, mas não pretendo ser um imperador. Não é esse o meu ofício. Não pretendo governar ou conquistar quem quer que seja. Gostaria de ajudar – se possível – judeus, o gentio… negros… brancos.
Todos nós desejamos ajudar uns aos outros. Os seres humanos são assim. Desejamos viver para a felicidade do próximo – não para o seu infortúnio. Por que havemos de odiar e desprezar uns aos outros? Neste mundo há espaço para todos. A terra, que é boa e rica, pode prover a todas as nossas necessidades.
O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos. A cobiça envenenou a alma dos homens… levantou no mundo as muralhas do ódio… e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e os morticínios. Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido.
A aviação e o rádio aproximaram-nos muito mais. A própria natureza dessas coisas é um apelo eloquente à bondade do homem… um apelo à fraternidade universal… à união de todos nós. Neste mesmo instante a minha voz chega a milhares de pessoas pelo mundo afora… milhões de desesperados, homens, mulheres, criancinhas… vítimas de um sistema que tortura seres humanos e encarcera inocentes. Aos que me podem ouvir eu digo: “Não desespereis! A desgraça que tem caído sobre nós não é mais do que o produto da cobiça em agonia… da amargura de homens que temem o avanço do progresso humano. Os homens que odeiam desaparecerão, os ditadores sucumbem e o poder que do povo arrebataram há de retornar ao povo. E assim, enquanto morrem homens, a liberdade nunca perecerá.
Soldados! Não vos entregueis a esses brutais… que vos desprezam… que vos escravizam… que arregimentam as vossas vidas… que ditam os vossos atos, as vossas ideias e os vossos sentimentos! Que vos fazem marchar no mesmo passo, que vos submetem a uma alimentação regrada, que vos tratam como gado humano e que vos utilizam como bucha de canhão! Não sois máquina! Homens é que sois! E com o amor da humanidade em vossas almas! Não odieis! Só odeiam os que não se fazem amar… os que não se fazem amar e os inumanos!
Soldados! Não batalheis pela escravidão! Lutai pela liberdade! No décimo sétimo capítulo de São Lucas está escrito que o Reino de Deus está dentro do homem – não de um só homem ou grupo de homens, mas dos homens todos! Está em vós! Vós, o povo, tendes o poder – o poder de criar máquinas. O poder de criar felicidade! Vós, o povo, tendes o poder de tornar esta vida livre e bela… de fazê-la uma aventura maravilhosa. Portanto – em nome da democracia – usemos desse poder, unamo-nos todos nós. Lutemos por um mundo novo… um mundo bom que a todos assegure o ensejo de trabalho, que dê futuro à mocidade e segurança à velhice.
É pela promessa de tais coisas que desalmados têm subido ao poder. Mas, só mistificam! Não cumprem o que prometem. Jamais o cumprirão! Os ditadores liberam-se, porém escravizam o povo. Lutemos agora para libertar o mundo, abater as fronteiras nacionais, dar fim à ganância, ao ódio e à prepotência. Lutemos por um mundo de razão, um mundo em que a ciência e o progresso conduzam à ventura de todos nós. Soldados, em nome da democracia, unamo-nos!
Hannah, estás me ouvindo? Onde te encontrares, levanta os olhos! Vês, Hannah? O sol vai rompendo as nuvens que se dispersam! Estamos saindo da treva para a luz! Vamos entrando num mundo novo – um mundo melhor, em que os homens estarão acima da cobiça, do ódio e da brutalidade. Ergue os olhos, Hannah! A alma do homem ganhou asas e afinal começa a voar. Voa para o arco-íris, para a luz da esperança. Ergue os olhos, Hannah! Ergue os olhos!.”

domingo, 8 de julho de 2018

Janio: condenação do Brasil na OEA desmoraliza o Supremo! Crime contra a Humanidade não prescreve / PHA/ Conversa Afiada

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Essa foto de Vladimir Herzog deveria substituir o Cristo crucificado, na parede atrás da mesa da presidência do Supremo (sic) Tribunal (sic)
Conversa Afiada reproduz luminoso artigo de Janio de Freitas, na Fel-lha, sobre a treva que encobre a suprema justiça: "Crime e impunidade".
A segunda condenação do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, por “falta de investigação, julgamento e punição” do assassinato de Vladimir Herzog em tortura, leva a uma situação nova e embaraçosa para o Supremo Tribunal Federal, o Exército e já para o futuro governo. Tal dificuldade está implícita na sentença da corte. E foi aumentada pelo governo Temer. 

Em sua decisão, a corte deu um ano ao Brasil para apresentar relatório sobre as providências de investigação das circunstâncias e identificação dos responsáveis na morte de Herzog. Diante disso, o Ministério das Relações Exteriores comprometeu-se em comunicando público a apresentar à corte, no prazo fixado, o relatório das ações. 

Logo, volta-se ao problema da anistia. Quando acionado, há oito anos, o Supremo considerou-a impeditiva de consequências judiciais em casos como o de Herzog. Assim consolidava, também, a decisão da juíza Paula Avelino no ano anterior, quando deu o crime contra Herzog como prescrito. Aí está um conflito de sentenças, entre o Supremo e a Corte Interamericana. E haverá de receber alguma solução, ou arremedo de. O menos provável é que isso caiba à corte, cuja posição é de cobrança e não de risco de ônus. 

O problema para o Supremo é ainda maior do que a divergência. A corte preveniu-se já na sentença contra os escapismos adotados no Brasil para sustentar a impunidade dos criminosos militares. Um trecho: o Brasil “não pode invocar a existência de prescrição”, “nem a lei de anistia ou qualquer outra disposição excludente de responsabilidade para escusar-se do seu dever de investigar e punir responsáveis”. O assassinato de Herzog, em tortura no então 2º Exército em São Paulo, é classificado como “crime contra a humanidade, que é imprescritível”.

Uma possibilidade é a de reabertura, no Supremo, do exame da anistia. Se não para atender à corte, poderia ser, por exemplo, a pretexto de que o atestado de óbito de Herzog em 2012 foi alterado na Justiça, por iniciativa da Comissão da Verdade com a família: passou de suicídio a “morte por maus-tratos em dependências do Exército”. A partir daí, haverá o que fazer para produzir um relatório à altura do pedido e, mais ainda, da honra nacional às vezes lembrada por um ou outro. 

Se não reaberta a discussão, o país estará exposto “às consequências jurídicas do Direito Internacional”. Até por ser a segunda condenação, com razões semelhantes, seguindo-se à da impunidade dos cruéis assassinatos de presos na guerrilha do Araguaia. Com um ano de prazo, não há que esperar qualquer providência séria do governo Temer em atenção às exigências da corte. O problema se encaixa na herança para o eleito em outubro. Destinado a vivê-lo sob as pressões do Exército e em situação de total dependência da posição do Supremo sobre a lei de anistia e a alegada prescrição. 

A condenação do Brasil contém um significado mais. É a vitória de uma luta de mais de 40 anos: o combate da brava família criada por Vladimir Herzog pelo reconhecimento e condenação, ainda que no exterior, do crime com que a ditadura militar a mutilou mas não não venceu.