sexta-feira, 18 de julho de 2014

“Técnico de fora não muda nada”: Medina, ex-preparador da seleção, amigo de Parreira, fala ao DCM


Postado em 18 jul 2014
Medina e Pelé
Medina e Pelé

O preparador físico João Paulo Medina foi coordenador técnico da Seleção Brasileira em 1991 e trabalhou em clubes como o Internacional, nos quais tentou implantar um novo modelo de gestão. Suas ideias, no entanto, não são exatamente o que o universo futebolístico está acostumado. “A democratização é essencial para a modernização do futebol brasileiro”, diz ele, que hoje dirige a Universidade do Futebol, entidade que promove cursos para profissionais do esporte.
No ano passado, Medina apostou que a Alemanha seria a campeã mundial e que o futebol brasileiro, para retomar sua qualidade, precisava de uma transformação estrutural, envolvendo clubes, atletas, técnicos dirigentes e instituições esportivas. Medina deu essa entrevista ao DCM.
A CBF anunciou a contratação de Gilmar Rinaldi como coordenador das seleções. É um passo para melhorar as condições do futebol e da seleção brasileira?
Não. É apenas a repetição do mesmo modelo. Não é colocando o Gilmar no lugar do Parreira que vamos resolver o problema. Essa mudança não melhora nada e, ao contrário, cria a ilusão de que haverá uma melhora, mas não vai haver. Não basta trocar os nomes.  Se contratássemos algum dos melhores técnicos do mundo, como o Mourinho, o Guardiola ou o Van Gaal também não mudaria nada. Pelo contrário, haveria mais problemas, de ordem cultural, de gestão mesmo, porque esses treinadores estão acostumados a trabalhar em ambientes mais saudáveis.
Nosso ambiente não é saudável?
Nós temos problemas estruturais gritantes. Nossas instituições esportivas, como os clubes, são arcaicas. Foram fundadas em 1941 durante o governo Vargas e não foram oxigenadas durante, por exemplo, a constituinte de 1988. A legislação cerceia o profissionalismo no clube. O dirigente estatutário, por exemplo, não pode ser remunerado e presta serviços ao clube nas horas vagas, no final do dia ou à noite. Há uns três ou quatro anos começou a surgir o dirigente profissional, mas ele é totalmente subordinado ao dirigente amador, que geralmente é um apaixonado e não tem capacitação para entender o mercado. Esse é só um exemplo e está mais do que na hora de rever essa legislação. O fracasso da seleção agora em 2014 coloca em evidência essa questão.
E o que é preciso fazer?
É preciso um diagnóstico sério, uma análise profunda em todas as suas dimensões, levando em conta o papel social e o patrimônio cultural do futebol, que é também uma expressão da própria economia brasileira. O futebol, em suas diferentes dimensões, é uma atividade que gera empregos e desenvolvimento, cria oportunidades não só no campo técnico, mas também de gestão, de infraestrutura, de equipamentos. É uma fatia da economia muito pouco explorada. O futebol brasileiro poderia representar mais de 1% do PIB e, hoje, representa apenas 0,2%. Temos tudo para resgatar o conceito de “país do futebol”.
Mas como fazer essa mudança se a CBF concentra todo o poder do futebol?
É preciso mudar a legislação para mudar a estrutura jurídica que respalda essa instituições que estão no poder do futebol para permitir uma democratização e, daí sim, encontrar as pessoas mais talhadas para trabalhar nesse modelo, não só do futebol, mas do esporte brasileiro em geral. É preciso fazer um modelo de gestão compatível com as necessidades do século XXI. Sem isso, é discutir o sexo dos anjos. Nós estamos debatendo essas questões na Universidade do Futebol e trabalhando nessa direção, já com apoio de algumas instituições. É preciso criar um clima mais democrático e dar poder às diferentes categorias que trabalham no futebol, ao atleta, ao treinador, ao executivo, ao dirigente e todos os atores que ajudam a construir esse universo. Se não mexer nessa estrutura, no sentido de democratiza-la, nada vai mudar.
Isso afeta a formação de craques?
Nós não formamos mais os atletas como antigamente. Aquilo que os europeus, os americanos e até asiáticos estão fazendo “in vitro” nós não estamos mais fazendo “in natura”.  Eles vem trabalhando na formação de atletas com conhecimento, com metodologias, com investimento em infraestrutura, com estímulo à prática do futebol enquanto esporte de massa. Essa ideia de que só nós temos a cultura do futebol caiu por terra. Ainda acho que nós somos o melhor país na produção de talentos, mas não como tempos atrás. Hoje a gente tem craques tão bons quanto os outros países, mas não é mais aquela maravilha. Nós fizemos esse estudo: em 1983, numa lista dos 50 melhores jogadores, havia 12 jogadores brasileiros. Agora em 2013, fizemos a mesma pesquisa e encontramos 3 jogadores brasileiros indicados entre os melhores do mundo. Nós não estamos produzindo tantos craques como na década de 1970 e 80
E qual é o motivo?
Hoje, o modelo de atleta que emerge para o profissionalismo e para o mercado é diferente, não pode ser mais aquele menino que aprendia na pedagogia da rua. Ele tem que ser capacitado, tem que ter instrução, tem que ser educado, não pode ser mais um semianalfabeto que se dá bem no futebol e depois vai pagar caro no final da sua carreira.
Isso quando é bem sucedido…
Exato. A realidade do futebol brasileiro é que 80% dos jogadores ganham no máximo até três salários mínimos, com 10 a 15% de desempregados e uma elite privilegiada em termos de remuneração que também enfrenta problemas de calendário, de gestão dos clubes. Eu conheço vários jogadores de elite que me dizem que nunca saíram do Brasil com os pagamentos todos em dia e os que receberam foi porque recorreram à justiça. Não é um problema só dos times médios e pequenos, é um problema geral de gestão.
Nós não conseguimos jogar de igual para igual contra a Alemanha, quando até a Argélia e Gana conseguiram. Estamos ultrapassados tática e tecnicamente?
Eu respeito e sou amigo do Parreira e Felipão. O futebol é um jogo, você acerta e erra, e tenho convicção de que esse resultado de 7 a 1 foi circunstancial, foi fora da curva. Mas ajuda a alertar para os problemas de preparação de nossos jogadores e de nossos profissionais que trabalham no futebol
A Alemanha é a nova escola que vai predominar, levando-se em conta, inclusive, que há 17 jogadores do time campeão com menos de 26 anos?
Acho que essa conquista marca um novo momento do futebol mundial. Embora a Alemanha já tivesse ganhado três copas do mundo, nós, da Universidade do Futebol, não considerávamos, até então, que a Alemanha tivesse deixado um legado na história do futebol. A Holanda, que nunca ganhou a Copa, deixou um modelo de jogo que influenciou muitas escolas do futebol. A Alemanha não teve um período assim. Mas agora começa a ter, graças a um trabalho iniciado há doze anos aproximadamente, no qual governo, federação da Alemanha e clubes, traçaram um planejamento, fora e dentro de campo. Os clubes alemães têm uma saúde que clubes de outros países não têm, inclusive países europeus. A Alemanha deu esse exemplo e, com essa conquista técnica, deixa um legado na história do futebol.
Qual é a lição que o futebol brasileiro pode extrair da Copa?
Se a gente entender que o modelo do futebol é o grande problema, teremos extraído a grande lição desse evento.
E nós estamos aprendendo essa lição?
Não. A gente já apontava esses problemas quando o Barcelona ganhou do Santos por 4 a 1 na final do Campeonato Mundial de Clubes, evidenciando muito a evolução do futebol europeu em relação ao brasileiro. Ficamos analisando as questões pontuais, técnicas, e não abordamos as questões mais importantes
O movimento Bom Senso é um caminho para promover as mudanças necessárias?
Sou suspeito para falar porque nós damos uma assessoria técnica e científica ao movimento. Participo de algumas reuniões de jogadores, é um movimento frágil, como todos os movimentos que fazem parte da estrutura arcaica do Brasil, e tem muitas dificuldades de colocar qual é a verdadeira situação dos atletas. Mas conseguiu se organizar de uma forma histórica: nunca houve um movimento como esse no futebol brasileiro. A tendência é que se fortaleça, mas ainda não tem força para ter voz.

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Dez razões porque o PSDB não deve voltar à presidência

AECIO-2014O anti-petismo tem alcançado as raias da histeria coletiva nesses últimos meses. Os xingamentos a Dilma na abertura da copa por parte de grupos sociais privilegiados que jamais votaram no PT e o descontentamento com os gastos escorchantes na construção dos estádios para a copa arranhou ainda mais a imagem de Dilma e do PT, apenas alguns meses depois de vários figurões do partido terem sido presos por causa do mensalão. Entre denúncias e ânimos inflamados quem tem se beneficiado de tudo isso sem precisar dizer uma só palavra é Aécio Neves e o PSDB. Diante dos acontecimentos recentes, o PT poderia até perder a eleição em um segundo turno, mas para si mesmo, e não porque seus adversários apresentem qualquer proposta razoável de governabilidade; e não poderiam, porque eles não têm. Por este motivo, vale a pena elencar algumas razões pelas quais o PSDB não deve voltar à presidência:
1. A sigla PSDB quer dizer Partido da Social Democracia Brasileira. Só que de social democrata o partido não possui absolutamente nada. Historicamente, a social democracia está ligada a movimentos políticos de esquerda e embora seus programas tenham sofrido alterações dependendo da época e do lugar, após a Segunda Guerra, passou a identificar-se com projetos de redistribuição de riqueza através de programas sociais e investimentos governamentais em grandes empresas. Com o advento do neoliberalismo na década de 1980 essa doutrina entrou em crise e cedeu lugar à redução do papel do Estado em políticas sociais e à privatização de empresas. Isso beneficiou grandemente os conglomerados internacionais e a retirada do Estado da vida social ampliou os bolsões de pobreza, o desemprego e reduziu o poder aquisitivo dos trabalhadores, especialmente nos países não desenvolvidos. Quanto o PSDB chegou ao poder em 1994, no auge da crença internacional de que as ideologias de esquerda estavam falidas, essa era a cartilha a ser seguida. E foi.
2. Como consequência disso, a desigualdade e a concentração de renda caíram mais no primeiro mandato do governo Lula do que em oito anos de governo FHC. Em 2007, uma pesquisa da FGV mostrou que somente no primeiro governo Lula, a taxa de miséria caiu quase 8,5 por cento, mais do que o dobro do que ocorreu nos dois mandatos de FHC, que ficou em 3,1%[1].
3. O PSDB é o partido do grande empresariado e dos arrochos salariais. As políticas econômicas do governo FHC estabilizaram a economia, mas em detrimento do poder aquisitivo dos trabalhadores. Com FHC, a inflação era de 9,2% ao ano, com Lula e Dilma, é de 5,9%[2]. Não por acaso, em 1996 a Folha noticiou que o governo FHC foi considerado péssimo por 25% da população[3]. Curiosamente, até os mais ricos demonstraram insatisfação com essa política desastrosa do ex-presidente, segundo a mesma matéria.
4. O PSDB é o partido das filas de desempregados. De acordo com o IBGE, o índice de desemprego mais do que dobrou durante os dois mandatos de FHC como presidente: de 4,5 milhões no final de 1994, foi para 11,5 milhões no final de 2000[4]. Quem não se lembra que quase diariamente os jornais noticiavam filas quilométricas de desempregados nas grandes capitais do país apinhando quarteirões, se submetendo a mal-estares resultantes do calor e de muitas horas de espera, além de inúmeras humilhações para conseguir uma vaga de emprego? Já o governo petista bateu recordes de redução do desemprego. Segundo edição de maio da revista Exame, no último mês de abril o desemprego recuou quase cinco por cento e em março o índice de desempregados chegava a 1,1 milhão de pessoas[5].
5. Para quem acredita que a corrupção somente passou a existir nos últimos doze anos no Brasil, vai aí uma informação bombástica: O governo FHC foi marcado por casos de corrupção não menos escandalosos. Um deles foi a extinção da Comissão Especial de Investigação (CEI), logo após assumir o poder em 1995, órgão criado durante o governo Itamar Franco para investigar denúncias de corrupção no governo federal. De acordo com a Carta Maior, “foi a primeira experiência de controle social, externo, da corrupção, em contraposição ao controle corporativo. Era independente e com amplos poderes para ajudar a sanear a administração Pública Federal. Instalada em 4 de fevereiro de 1994, tinha poderes para determinar suspensão de procedimentos ou execução de condutas suspeitas, recomendar investigações, auditorias e sindicâncias e propor ao presidente da República providências, inclusive legislativas, para coibir fatos e ocorrências contrárias ao interesse público[6]“. Além disso, os desvios de verbas na SUDAM e na SUDENE (extintas somente quase no final de seu mandato, em 2001) somaram quase R$ 4 bilhões[7], além da existência de caixa dois para reeleição e denúncias de compra de votos de parlamentares para aprovação da emenda da reeleição.
6. O PSDB é o partido dos apagões e do racionamento de energia. Basta ver o que o governo Alckimin faz agora em São Paulo, sobretaxando consumidores e impondo racionamentos para termos uma ideia do que virá, ou melhor, do que voltará, se Aécio Neves se tornar presidente: em 2001 uma crise energética fez o governo pressionar a sociedade a reduzir em vinte por cento o consumo de energia[8] e apagões passaram a se tornar constantes no país. Já o governo petista contornou esse problema, evitou novos racionamentos e apagões e durante a gestão Dilma foi construída a hidrelétrica de Estreito, no Maranhão, com capacidade para abastecimento de quatro milhões de pessoas[9].
7. O PSDB é o partido do sucateamento das universidades públicas. Durante o governo FHC, o ensino superior privado foi beneficiado em detrimento do público. Além disso, historicamente o acesso à universidade sempre foi prerrogativa das elites brancas, acostumada a ver o pobre na favela, limpando para-brisas de carros em avenidas nas grandes cidades ou em longínquas escolas públicas de baixa qualidade. Contra esse apartheid social, o governo Lula, além de ter ampliado e fortalecido as universidades federais, também criou mecanismos para ampliar o acesso da população de baixa renda, como o Sisu e o sistema de cotas sociais e raciais. E para os que dizem que a informação de que no governo Lula aumentaram as matrículas nas universidades federais é uma farsa, remeto o leitor a esse importante texto do reitor da Universidade Federal da Bahia: educação superior em Lula x FHC.
8. O PSDB é o partido do encolhimento dos direitos trabalhistas. No final de seu segundo mandato, FHC propôs um projeto de alteração da CLT, como a flexibilização de direitos trabalhistas como o 13º salário, licença maternidade, FGTS, entre outros, além de uma reforma sindical e uma proposta de tratamento diferenciado a pequenas empresas[10]. Já o governo petista, além de não ter subtraído direitos aos trabalhadores, ainda os estendeu a categorias historicamente marginalizadas, como as empregadas domésticas, que passam a ser assistidas pela legislação trabalhista.
9. O PSDB é o partido da repressão aos movimentos sociais. Quem não se lembra do massacre de Eldorado de Carajás, no sul do Pará, ocorrido em 1996? Por outro lado, as políticas de reforma agrária de FHC determinavam o não assentamento de famílias que participavam de ocupação de terra[11] e quando concorreu à presidência em 2002, José Serra prometia em seus programas eleitorais que não permitiria invasões de terras durante seu governo. Que métodos ele usaria pra isso é algo que jamais esclareceu. Felizmente, Serra foi derrotado naquele ano. Em doze anos, o governo petista caracterizou-se por um profícuo diálogo com movimentos sociais e pela ampliação de políticas afirmativas a minorias sociais.
10. O PT se manteve esses doze anos no poder porque conseguiu aglutinar interesses diversos, do empresariado e do povo. O PT se mostrou o único partido que se aproxima de uma social-democracia ao ampliar as políticas sociais e a renda média dos trabalhadores para reduzir o abismo social que historicamente caracterizava o fosso intransponível entre nossas elites e as camadas mais pobres da sociedade:  Em 2004, Tarso Genro observou o seguinte: “Ao potencializar este programa [o bolsa família], o governo Lula permitiu em quase dois anos, a distribuição média, de R$ 75,00, por família, atingindo cerca de 6 milhões e quinhentos mil lares, enquanto no governo FHC, a soma dos programas incorporados pelo Bolsa Família (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Cartão Alimentação e Auxílio Gás), distribuiu em seus últimos dois anos a média por família de R$27,00, atendendo a cerca de 5 milhões e setecentos mil lares[12]“. A ampliação das políticas de redistribuição direta de renda como o bolsa família foram importantes tanto para empresários como para consumidores, porque aqueceu a economia, facilitou a abertura de pequenas empresas, ampliando o número de empreendedores e de empregos diretos. Geralmente os que julgam os programas sociais como “esmola” ou “ação eleitoreira” ignoram sua importância e seu alcance: para termos uma ideia, a extrema pobreza, que era de 12% em 2003, caiu para 4,8% em 2008, o que implica melhorias substanciais na qualidade de vida dessa parcela da população[13] e teve impacto importante na redução da mortalidade infantil[14]. Além disso, muitos beneficiados abandonaram voluntariamente a bolsa após melhorarem de vida[15]. O governo tucano focou no empresariado, manteve as políticas sociais num nível modesto e, como já foi observado, não conseguiu reduzir de forma significativa as elevadas taxas de desemprego e extrema pobreza no país.
Conclusão: Em geral, os peessedebistas  não gostam de comparações com o governo Lula ou Dilma. O fato é que qualquer comparação evidencia o quanto essas duas últimas gestões foram mais eficientes em termos de política social. Não há dúvida de que agora as pessoas vivem melhor do que há quinze ou vinte anos atrás. Hoje, o PT sofre muitas críticas não pelo que fez, mas pelo que deixou de fazer. Ainda precisamos de uma reforma política, tributária e  de melhorias na infraestrutura do país (esse pacote de investimentos tão prometido antes da copa e não cumprido). É a precariedade de nossa infraestrutura, somada aos elevados impostos que pagamos que ainda entravam o crescimento do país. Mas se isso não tem acontecido com o PT, tampouco acontecerá sem ele. O PAC foi lançado pra isso, mas a corrupção dos gestores impede que seja cumprido com êxito. Quanto às melhorias em saúde e educação, vivemos em uma República federativa e os investimentos nessas áreas são de responsabilidade de Estados e municípios, que recebem as verbas para isso. O PT pode ter cometido muitos erros no poder, mas acertou mais do que errou e a popularidade Lula ao deixar o poder em 2010 prova isso. Hoje não temos mais filas de desemprego e reduzimos bastante a miséria. Reeleger o PSDB é correr o risco de um retrocesso.

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Porque escolhemos Dilma Rousseff


Queiram ou não, Aécio Neves e Eduardo Campos serão tragados pelo apoio da mídia nativa e da chamada elite. Ou seja, da reação
por Mino Carta — publicado 04/07/2014 03:52, última modificação 04/07/2014 03:56
Celso Junior/Estadão Conteúdo
Dilma-Rousseff
A presidenta não esmoreceu na luta contra a desigualdade
Começa oficialmente a campanha eleitoral e CartaCapitaldefine desde já a sua preferência em relação às candidaturas à Presidência da República: escolhemos a presidenta Dilma Rousseff para a reeleição.
Este é o momento certo para as definições, ainda mais porque falta chão a ser percorrido e o comprometimento imediato evita equívocos. Em contrapartida, estamos preparados para o costumeiro desempenho da mídia nativa, a alegar isenção e equidistância enquanto confirma o automatismo da escolha de sempre contra qualquer risco de mudança. Qual seria, antes de mais nada, o começo da obra de demolição da casa-grande e da senzala.
O apoio de CartaCapital à candidatura de Dilma Rousseff decorre exatamente da percepção de que o risco de uns é a esperança de outros. Algo novo se deu em 12 anos de um governo fustigado diária e ferozmente pelos porta-vozes da casa-grande, no combate que desfechou contra o monstruoso desequilíbrio social, a tolher o Brasil da conquista da maioridade.
CartaCapital respeita Aécio Neves e Eduardo Campos, personagens de relevo da política nacional. Permite-se observar, porém, que ambos estão destinados inexoravelmente a representar, mesmo à sua própria revelia, a pior direita, a reação na sua acepção mais trágica. A direita nas nossas latitudes transcende os padrões da contemporaneidade, é medieval. Aécio Neves e Eduardo Campos serão tragados pelo apoio da mídia e de uma pretensa elite, retrógrada e ignorante.
A operação funcionou a contento a bem da desejada imobilidade nas eleições de 1989, 1994 e 1998. A partir de 2002 foi como se o eleitorado tivesse entendido que o desequilíbrio social precipita a polarização cada vez mais nítida e, possivelmente, acirrada. Por este caminho, desde a primeira vitória de Lula, os pleitos ganham importância crescente na perspectiva do futuro.
CartaCapital não poupou críticas aos governos nascidos do contubérnio do PT com o PMDB. No caso do primeiro mandato de Dilma Rousseff, vale acentuar que a presidenta sofreu as consequências de uma crise econômica global, sem falar das injunções, até hoje inescapáveis, da governabilidade à brasileira, a forçar alianças incômodas, quando não daninhas. Feita a ressalva, o governo foi incompetente em termos de comunicação e, por causa de uma concepção às vezes precipitada da função presidencial, ineficaz no relacionamento com o Legislativo.
A equipe ministerial de Dilma, numerosa em excesso, apresenta lacunas mais evidentes do que aquela de Lula. Tirante alguns ministros de inegável valor, como Celso Amorim e Gilberto Carvalho, outros mostraram não merecer seus cargos com atuações desastradas ou nulas. A própria Copa, embora resulte em uma inesperada e extraordinária promoção do Brasil, foi precedida por graves falhas de organização e decisões obscuras e injustificadas (por que, por exemplo, 12 estádios?), de sorte a alimentar o pessimismo mais ou menos generalizado.
Críticas cabem, e tanto mais ao PT, que no poder portou-se como todos os demais partidos. Certo é que o empenho social do governo de Lula não arrefeceu com Dilma, e até avançou. Por isso, a esperança se estabelece é deste lado. Queiram, ou não, Aécio e Eduardo terão o pronto, maciço, às vezes delirante sustentáculo da reação, dos barões midiáticos e dos seus sabujos, e este custa caro.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Os bilhões da Copa do Mundo: por que o pessoal do contra entendeu tudo errado


Postado em 02 jul 2014
maracanã torcida

O jornalista Nathaniel Parish Flannery, colaborador de várias publicações americanas em áreas como crime organizado, política, cultura e economia, escreveu um bom artigo no site da Forbes sobre a Copa do Mundo.
“Quando a seleção do Brasil entrar em campo, o mundo devia também aproveitar o momento para reconhecer o sucesso das políticas públicas progressivas do país”, escreve Flannery. “O Brasil destinou menos que 2 bilhões de dólares para a construção dos estádios. Em contraste, entre 2010, ano do início da construção dos estádios, e o início de 2014 o governo investiu 360 bilhões de dólares em programas de saúde e educação”.
Eis os principais trechos de sua análise:   
No Brasil, a Copa do Mundo deflagrou protestos de ativistas interessados em chamar atenção para os persistentes problemas de pobreza e desigualdade no país. Em 2013, os manifestantes empunhavam cartazes em inglês com mensagens como “Nós não precisamos da Copa do Mundo” e “Nós precisamos de dinheiro para hospitais e educação”. Contudo, como os cientistas políticos Diego von Vacano e Thiago Silva explicaram em seu excelente artigo para o Washington Post, “os protestos são paradoxais porque o Brasil tem vivenciado um crescimento econômico e social muito significativo desde que o país foi escolhido para realizar o evento em 2007”.
Mais amplamente, a Copa do Mundo de 2014 acentua a emergência econômica da América Latina ao longo da última década. O mar de camisas amarelas que pode ser visto em jogos da Colômbia e áreas inteiras de mexicanos usando roupas verdes e torcendo para a sua seleção é um testemunho do recente sucesso econômico da classe média latino-americana. De acordo com o historiador David Goldblatt, “a televisão pode enganar, e o uso de uma camisa da seleção da Colômbia não é garantia de nacionalidade, mas o estádio do Mineirão em Belo Horizonte estava forrado de amarelo – 20 000 numa multidão de 57 000. A mídia chilena tem reportado que mais de 10 000 estão viajando para o Brasil, e ao que parece eles todos estavam presentes em Cuiabá quando a seleção deles despachou a Austrália.”
Em 2011, pela primeira vez na história, o número de pessoas nas classes médias da América Latina ultrapassou o número de pessoas pobres na região. O Brasil, em particular, destaca-se pelo sucesso no investimento em programas sociais e de redução da pobreza.
Dado o número de camisas amarelas que aparecem na multidão nos jogos, a Copa do Mundo no Brasil tem também sido massivamente frequentada pela classe média emergente do país. Ainda assim, a história de que o gasto com futebol é um desperdício num país em que a população vive na pobreza tem ganhado impulso nas mídias sociais.
Fotos de um grafite mostrando uma criança faminta chorando ao ver uma bola de futebol em seu prato tornaram-se virais e foram compartilhadas aos milhares no Twitter e Facebook. Outros usuário do Twitter compartilharam fotos lembrando a pobreza com a qual eles se deparam a algumas quadras dos estádios.
Estas imagens falham em mencionar que o Brasil destinou menos que 2 bilhões de dólares para a construção dos estádios. Em contraste, entre 2010, ano do início da construção dos estádios, e o início de 2014 o governo federal do Brasil investiu 360 bilhões de dólares em programas de saúde e educação. Para colocar isso em perspectiva, o governo do Brasil investiu 200 milhões de dólares para cada dólar gasto com os estádios da Copa do Mundo. Embora os sistemas de saúde, educação e transporte precisem de investimentos contínuos, os gastos com a Copa do Mundo não têm de maneira alguma eclipsado o investimento progressivo em programas sociais.
A economia do Brasil é definida por uma desigualdade intrinsecamente profunda. É um país conhecido pelas favelas e milionários. De acordo com análises da Forbes, o Brasil é o lar de dezenas de bilionários, incluindo Roberto Irineu Marinho, João Roberto e José Roberto Marinho, que juntos controlam o maior império de mídia da América Latina, a Globo, e têm, juntos, 28 bilhões de dólares. A empresa reportou em 2013 um lucro de 1,2 bilhão de dólares. De acordo com levantamento da Forbes, “enquanto a riqueza crescente do país está criando mais milionários e bilionários do que nunca, famílias ricas estão garantindo a fatia maior desse bolo”. Dos 65 bilionários listados pela Forbes na sua edição dos Bilionários do Mundo, 25 deles são herdeiros ou parentes. 

mural

Mas, enquanto é fácil apontar os gastos dispendiosos com os estádios da Copa do Mundo ou a longa lista de bilionários do Brasil e contrasta-los com milhões de pessoas que vivem em extrema pobreza, tais comparações falham ao não reconhecer o tremendo sucesso que os criadores de políticas públicas brasileiros têm tido na erradicação da pobreza ao longo da última década. De acordo com um relatório recente do Centro para a América Latina e Caribe da ONU (ECLAC), em 2005 38% da população brasileira vivia abaixo da linha de pobreza. Avançando para 2012, essa taxa caiu para 18,6% da população. Em outras palavras, desde 2005 o Brasil tem efetivamente reduzido para mais da metade o número de seus cidadãos vivendo na pobreza.
Por outro lado, o México, um país cujos políticos estão mais concentrados nas exportações e nos salários competitivos, atualmente viu a pobreza aumentar durante esse mesmo período, de acordo com um relatório do Centro das Nações Unidas para América Latina e Caribe. O Chile, um país há muito elogiado pelo desenvolvimento de suas políticas econômicas, viu um declínio muito menor de sua pobreza no mesmo período. No Chile, a pobreza caiu de 13,7% para 11% em 2011.
A América Latina é a região mais desigual do mundo, e o Brasil em particular é conhecido por sua história colonial baseada em uma espoliativa agricultura de exportação, o que ajudou a desenvolver o estabelecimento de uma economia altamente dividida entre ultra-ricos e ultra-pobres. Em meio à controvérsia da Copa do Mundo, o tremendo sucesso do Brasil na redução da pobreza tem sido de certa forma ignorado.
Jason Marczak, expert em América Latina do Atlantic Council em Washington [um think tank apartidário e influente] , me contou que “a crítica aos excessivos custos dos estádios é na verdade um grito dos cidadãos do novo Brasil, um Brasil mais classe média, que demanda maior transparência e um modelo de estado mais responsável”.
Quando a seleção do Brasil entrar em campo, o mundo devia também aproveitar o momento para reconhecer o sucesso das políticas públicas progressivas do país.
“O Brasil tem atingido conquistas impressionantes no crescimento sócio-econômico na última década com dezenas de milhões de pessoas saindo da pobreza e entrando na classe média”, acrescenta Marczak.