sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Porque o Flamengo não é o Corinthians por Rafael Castilho no "Meu Timão"

Me recordo que há alguns anos, assistia um desses programas de debates esportivos com o saudoso jornalista carioca Armando Nogueira, já falecido. Isso foi no tempo em que os programas com esse formato eram muito mais do que concurso de palhaçadas e polêmicas burras. Não subestimavam a inteligência de quem assistia ao programa.
A discussão era a tentativa de comparação entre a torcida do Flamengo e a torcida do Corinthians. O botafoguense Armando Nogueira me provocou gargalhadas ao tentar resumir dizendo: “As duas torcidas são parecidas, mas a do Corinthians é mais nervosa”.
Sei que de cara, o leitor corinthiano deve ter suspirado, já a essa altura do texto, e dito baixinho para si mesmo: “Para com isso, não dá pra comparar”. Pois é, talvez sejam realmente coisas incomparáveis, mas não custa nada, nesse momento de tanta alegria, em que mandamos “aquele abraço” para a torcida do Flamengo, superando-os na Copa do Brasil, fazer um exercício e entender o porquê o Flamengo não é, nem nunca vai ser o Corinthians.
Sempre achei desnecessária essa discussão sobre qual é a maior torcida do Brasil. Para efeitos práticos essa contagem de um a um não tem a menor importância.
A verdade é a seguinte: O Flamengo tem mais torcida, o Corinthians tem mais torcedores. Isso sim tem uma grande diferença. É só parar pra pensar.
As duas torcidas são muito populares. São também torcidas nacionais. Porém, ao que parece, a influência em suas formações das duas grandes cidades, Rio de Janeiro e São Paulo, sejam definidoras de certas características muito particulares dos dois clubes. São visões (e paisagens) de mundo bem distintas.
Não há como não se apaixonar pelo Rio de Janeiro. Os corinthianos sabem muito bem disso. Já organizamos algumas invasões em massa que entraram para a história da humanidade e tratamos o Maracanã como nosso algumas vezes. Vimemos momentos lindos no Rio de Janeiro.
Quando se ouve uma canção falando do Rio de Janeiro, é sempre aquela narrativa contemplativa. O sol, o céu, o mar, o barquinho vai, o Corcovado, a moça bonita, o país tropical. Quando ouvimos as canções sobre São Paulo é sempre o trem que se vai perder, é alguma coisa que acontece no meu coração (Seria taquicardia? Um infarto no miocárdio?).
As poesias sobre São Paulo narram sempre o descompasso do indivíduo com o funcionamento da cidade. O despejo na favela. O barracão que foi arrastado. A saudosa maloca que não existe mais. A vida que passa rápido e a gente nem vê direito como envelhece na cidade.
O Flamengo é uma canção do Jorge Benjor, cheio de alegria. O Corinthians é um samba do Adoniran, com irreverência, provocação e uma dose indisfarçada de melancolia.
O Flamengo é o time do Lado A, onde ficavam as grandes canções de sucesso. O Coringão é Lado B, onde colocam as músicas que mexem com a cabeça da gente. As canções que fechamos os olhos para ouvir com atenção. O Corinthians é profundidade.
Torcer para o Flamengo é uma grande festa. Torcer para o Corinthians é um dever.
Nos jogos do Flamengo tem aquela coisa, também maravilhosa, da alegria. Quem não gosta de ser feliz? Todo mundo. Claro que gostamos. No Flamengo tem aquela galera que vai fantasiada no estádio pra fazer piada. Acontece que no Corinthians o bagulho é louco. A gente passa a semana inteira dormindo mal pensando como vai ser na hora do jogo. Não dá pra fazer muita festinha. Tem dia que no caminho pro estádio já está todo mundo pilhado. Nem dá pra falar muito um com o outro. Se falar demais, se ficar cutucando o amigo, ele já responde: “que foi, porra?, me deixa, mano!”.
Numa das primeiras vezes que fui ao Rio a trabalho, um rapaz ao saber que eu sou corinthiano sentenciou: “po, oh soh, o Corinthians não tem graça”. E não tem mesmo. Não é pra ter. O bagulho é preto e branco. Não tem cor. Aqui a coisa ferve.
O Flamengo é um domingo de sol. O Corinthians é a vida inteira da gente. O Corinthians é o nosso futuro. É o nosso presente. É o nosso passado. É parte integrante de quem somos. É legal zoar, mas tem hora que não dá. É um caroço de manga preso na garganta.
O Flamengo é carnaval, o Corinthians é o dia da revolução!
O flamenguista é torcedor. O corinthiano é militante.
O Corinthians é uma causa. Não uma causa vazia em si mesma. Também não quero diminuir o Flamengo. Juro que não se trata disso. Mas no Corinthians tem muito mais coisa envolvida. E não é só paixão. O Corinthians é a história do nosso povo. Muitas coisas aconteceram no Corinthians porque sempre foi por lá que a história escorreu e virou um rio com correnteza forte trombando em um monte de pedras.
Sim, existe algo de bonito e democrático na torcida do Flamengo. Ali cabe todo mundo. Não falo isso com desdém. O Flamengo é o time de “todos”. O Corinthians não é o time de todos. A verdade é essa. O Corinthians é o time dos escolhidos. Escolhidos num sentido de destino compartilhado, não de seleção refinada, até porque, ao mesmo tempo que é o time dos escolhidos, o Corinthians é o time dos excluídos.
O Flamengo é espalhado e heterogêneo. O Corinthians é denso e homogêneo.
O Corinthians é a maior, mas se preferirem é também a menor torcida do Brasil.
Existe um Corinthians muito íntimo para cada um de nós. Existe um Corinthians bem pequeno e provinciano para cada grupo de amigos que se reúne. O Corinthians é um clube de futebol profissional, uma marca, uma empresa, mas é também um time de várzea nas vilas e comunidades, onde sempre existem grupos que se juntam em seu nome. Estão em diferentes lugares, mas sempre com um sentido comum e uma unidade espiritual, vibrando na mesma direção. O Corinthians é um clube nacional, mas é também um time de bairro. É só ir ao clube, nas sedes de torcidas, nos coletivos espalhados, nos grupos de amigos. O Corinthians cabe na palma da nossa mão. Todo mundo se conhece. Sabe quem é quem. É impressionante.
Do muro para fora do Parque São Jorge, o Corinthians é gigante, do muro para dentro, muitas vezes é pequenininho.
O Corinthians vive na zona leste do coração do nosso povo, independente de onde nosso povo estiver.
O Corinthians é o time da maioria, mas é também o time das minorias. Não dá pra rasgar a história. Quem quiser, pode até ficar puto com a história, mas mudar não consegue. O Corinthians se fez como o clube das minorias. Isso tem uma grande diferença. Não é o clube de todos. É o clube das minorias. Quando digo minorias, falo sob o sentido da representação nas instâncias de poder. O Corinthians se construiu como o time dos imigrantes refugiados, dos retirantes, dos favelados, dos negros, dos sem voz. Hoje é também o clube das mulheres que não aceitam mais serem subjugadas.
Falo por mim, eu não nutro nenhum desprezo pelo Flamengo. Rejeito quando algum corinthiano chama o flamenguista de mulambo. Maloqueiro chamando o outro de mulambo é meio complicado.
Mas, amigo flamenguista, tem coisas que não dá pra negar. Veja só, de uns anos pra cá, não deu pra deixar de notar que o Flamengo tem imitado o Corinthians em algumas coisas.
O Flamengo tem seguido nossos passos em coisas boas, mas também em coisas ruins que temos feito. Digo isso, pois me solidarizo com o torcedor do Flamengo que de uns tempos pra cá também tem sido excluído dos estádios. O Flamengo segue nossos passos até mesmo no que temos feito de pior, ou seja, afastar seu povo dos estádios, elitizar, cercar.
A exclusão dessas massas de torcedores é burra, inclusive do ponto de vista administrativo e econômico, pois o grande patrimônio e a grande fonte de receita desses clubes não é bilheteria de estádio. No caso do Corinthians, inclusive, essa renda nem vem pra nós. Nem dá pra saber se algum dia essa bilheteria voltará para os cofres do clube. Vai demorar muito. Penalizar o torcedor, desvinculá-lo afetivamente, desconstruir conexões culturais, deixa-lo mais distante, acaba por fazer com que joguemos contra nosso futuro. Na prática, estamos vendendo (se isso que é importante) pra menos gente, não para mais gente. É fazer um gol contra.
O Flamengo pode contratar ex-jogadores do Corinthians. Pode imitar coisas boas e coisas ruins. Pode concorrer pelo mesmo espaço nas mídias, pelos maiores contratos de patrocínio, por maior audiência na televisão, por maior orçamento. Mas, de verdade vos digo, o Flamengo nunca vai ser o Corinthians. Nem se o Flamengo nascer de novo.
Somos mais fortes porque somos mais do que um time de futebol. Somos uma ideia que paira no ar. Um sentimento que habita no metafísico. Algo que não se toca. O inconsciente coletivo. Vencemos jogos invencíveis. Nos superamos na adversidade. Somos um todo que vem das casas, das ruas, dos bares, da arquibancada para dentro de campo. Por isso sabemos torcer para times tecnicamente ruins. Sabemos jogar, conscientes de nossas limitações, sem nenhuma crise de inferioridade. Temos senso de oportunidade e sabedoria para vencer o inimigo, por maior que ele seja.
Até porque o Corinthians vive o jogo como a gente joga a vida da gente.

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Manifesto da Gaviões da Fiel por seu Presidente

Salve GAVIÕES DA Fiel! Papo reto "GAVIÃO NÃO VOTA EM BOLSONARO
Rapaziada é o seguinte... não queria entrar no debate de política, mas o que estou acompanhando nas nossas redes sociais, de Gavião apoiar Bolsonaro - fez eu vir aqui pra passar um papo reto pra vocês... vocês aceitando ou não, eu como presidente dos Gaviões, tenho que passar o que a gente carrega na nossa ideologia dentro desses quase 50 anos de história.
Você que é associado dos Gaviões, sabe da história da sua Torcida? Você sabe que na nossa fundação, em 1969, vivíamos em plena Ditadura Militar? Você sabe que no período da nossa fundação tínhamos como principal objetivo derrubar um ditador dentro do nosso clube? Você sabe que os nossos fundadores sofreram muita opressão por levantar a bandeira em favor da democracia e dos direitos do povo?
Sei que hoje nos Gaviões da Fiel, uma torcida com mais de 112 mil sócios, tem sócios de diversas classes sociais, da hora, cada um fez por onde pra chegar onde está... só que é o seguinte rapaziada, vocês que apoiam um cara que vai contra todas as nossas ideias e joga no lixo o nosso passado de muitas lutas, por favor, se forem seguir apoiando esse cara, repense sobre sua caminhada dentro da Torcida. Ou seja, se está no Gaviões por interesses pessoais, status, para ostentar apenas uma camisa ou se beneficiar atrás de ingresso e pagar nas redes sociais que faz parte da maior torcida do Brasil, por favor, se retirem. Pode passar lá no Vip e assinar a carta de saída.
Somos uma torcida que defende os direitos do nosso povo e não podemos deixar que o nosso maior representante seja contra nós e contra tudo aquilo que lutamos.
Rodrigo Gonzalez Tapia (Digão) - Presidente
GAVIÕES DA FIEL TORCIDA"
ORGULHO DE SER GAVIÃO, ORGULHO DE SER CORINTHIANS!! SALVE DIGÃO, ME REPRESENTA!

terça-feira, 18 de setembro de 2018

Aos educadores

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O Brasil que eu não quero //Jornal do Brasil Hildegard Angel

No início dos anos 60, a campanha urdida pelos udenistas, liderados por Carlos Lacerda, assombrava o país com o medo do “comunismo” e denúncias de desvios e corrupção. João Goulart seria um corrupto insaciável e Juscelino Kubitscheck, que morreu pobre, teria ficado milionário com a construção de Brasília, beneficiando seus amigos. Com ressonância na mídia, essa campanha martelava ininterruptamente na cabeça dos brasileiros. Eu, menina, com 11, 12 anos, lembro-me do medo que se tinha do tal “comunismo”. Os comunistas viriam para interromper nossos sonhos individuais de prosperidade e casa própria. Eles entrariam em nossas casas, nos destituiriam de nossos bens, e os pobres “ficariam com tudo nosso”. Era assim que os golpistas de então botavam terror no povo brasileiro. Eleito, o udenista Jânio Quadros - um descompensado que deu provas disso desde o período eleitoral - quis dar o golpe, não conseguiu, renunciou, jogando o Brasil em 20 anos de ditadura militar. E a UDN? E Lacerda? Foram jogados pra escanteio, tiveram que se comportar como sabujos lambe-botas para sobreviver.

Lacerda foi cassado. Os políticos, alijados dos cargos e da vida pública. Assim acontece quando há uma ruptura constitucional, quando as leis passam a, em vez de serem cumpridas, obedecer a “interpretações” subjetivas, a serviço de conveniências outras. Perde-se o controle, e quem se impõe não são os agentes da desestabilização. Estes, golpeiam, mas não levam. No Brasil, prevaleceram os que melhor interpretaram o medo coletivo do “comunismo”, oferecendo como alternativa a repressão violenta. Os militares.

E não havia, naqueles anos, uma empresa no Brasil, um negócio, uma portinha, que não precisasse ter em seus quadros um militar para poder se manter aberta. Caso contrário, eram só dificuldades. Fiscais multavam indevidamente, burocratas emperrava os processos. E se o empresário em questão tivesse algum tipo de ligação com governos anteriores, de Getúlio, Goulart e JK, estava fadado à perseguição e à falência.
A comunidade rejeitava qualquer pessoa ligada, mesmo que remotamente, a partidos políticos demonizados, como o PTB e o PSD. Muitas delas foram presas e perseguidas. Os partidários do PCB - Partido Comunista Brasileiro - foram presos e eliminados. Como Alberto Aleixo, irmão de Pedro Aleixo, vice-presidente de Artur da Costa e Silva. Alberto era um idealista, editava o jornal de esquerda Voz Operária. Em 1975, foi preso e morreu em consequência das torturas. Pedro soube de sua prisão, mas, mesmo com tantas credenciais, nada pode fazer pelo irmão.

No país, estabeleceu-se o terror. Hoje, os revelados documentos de Estado norte-americanos da época acusam o Brasil de ter praticado o “terrorismo de Estado”. A contrapropaganda era usada à exaustão e com sucesso. Então, terroristas não eram os que sumiam com as pessoas, as encarceravam, torturavam e matavam. Eram os jovens idealistas, que, quando muito, se defendiam com “coquetéis molotov” - uma garrafa e um pavio. “Subversivo” era todo aquele que pensasse diferente do poder. A qualquer denúncia anônima, agentes do Dops invadiam residências, vasculhavam tudo, e bastava encontrarem um livro de economia de Celso Furtado para a família inteira ser presa como agitadora. E as consequências, imprevisíveis. Não se sabe se sairiam vivos. Quem duvidar que duvide, mas era assim.

O terror de Estado, as violências, torturas com crueldades inimagináveis, ensinadas por especialistas importados dos EUA e até da França - estes últimos financiados por empresários de extrema direita, dos quais alguns se compraziam em assistir às sessões de tortura. Uns doentes.

Todos tinham medo de todos. A filha de um síndico da Base Aérea do Galeão relata o medo que os próprios oficiais tinham do comandante, brigadeiro Bournier, considerado um descontrolado, com sangue nos olhos e o poder nas mãos. O brigadeiro dos “voos da morte”, em que pessoas eram jogadas ao mar, e com o requinte das pernas quebradas. Caso sobrevivessem, não poderiam nadar.

Este era o Brasil. Sobreviviam os que baixassem a cabeça, não vissem, não escutassem, não comentassem, num perpétuo “jogo do contente”, que durou duas décadas. Mesmo em casa, ninguém podia conversar com franqueza, com o risco de algum empregado ou visitante escutar e denunciar. “Dedurava-se”, delatava-se, caluniava-se a três por dois, qualquer desafeto que atravessasse o caminho. O marido ciumento entregava como “subversivo” o vizinho, de quem desconfiava estar cortejando sua mulher. Sei de um caso em que o vizinho foi levado para averiguação e nunca retornou. Este era o cotidiano brasileiro.

Eram as pessoas soturnas, com seus coturnos, que oprimiam a liberdade de todos. Quem as desagradasse era “excomungado”, tornava-se um “degradado social”, mesmo se não fosse preso. Ninguém queria lhe falar, atender seu telefonema. Atravessavam a calçada. Ser covarde era um mérito.

Estudantes foram impedidos de frequentar escolas e universidades. A censura veio rigorosa e extremamente ignorante. Hoje, fazem piada dos exageros dos censores. Peças de teatro tiradas de cartaz. Novelas da TV tinham vários capítulos inteiros reescritos. Livros, como “Capitães de areia”, de Jorge Amado, e “Tarzan”, de Edgard Burroughs - aquele mesmo, o Tarzan da Chita - eram proibidos com a pecha de “comunista”. Em sua sanha perseguidora, os censores viam cabelo em ovo. As canções falavam por metáforas, para refletir o sentimento do artista e as angústias do povo.

O lema “Ame-o ou deixe-o” estava em plásticos colado às janelas dos automóveis, como um salvo-conduto para os motoristas. E tantos “deixaram”, forçados ao exílio como mecanismo de sobrevivência. Essas memórias são feridas que nunca param de sangrar.

Hoje, em véspera de eleição, momento crucial em que a preocupação geral é a segurança, os telejornais a enfatizam, como agentes provocadores de intimidação dos brasileiros. Apavorados, os cidadãos só enxergam seu pânico, alheios a qualquer perspectiva positiva. E ações extremas passam a ser única opção. Uma sociedade manipulada, não só pelos fatos, mas sobretudo pelo noticiário, que potencializa os temores de cada um. Nenhuma brecha para fatos construtivos. É esse o projeto político da grande mídia? Incendiar o país? Plantar a discórdia? A insegurança generalizada?

Esse medo coletivo fortalece a posição de candidatos sem qualquer capacidade ou preparo para exercer as funções de Presidente da República Federativa do Brasil, em que a segurança é fator importante, mas não único. E a educação? E a habitação? E o saneamento básico? E a retomada do desenvolvimento estagnado da Nação brasileira? E a engenharia brasileira, fundamental para o desenvolvimento e a multiplicação de empregos, desde a mão de obra não especializada ao engenheiro? Onde se quer chegar? Entregar a Nação a um despreparado? Ou a outro que já tenha mostrado competência? Qual o Brasil que queremos?