sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

JÂNIO DE FREITAS: CORRUPÇÃO NO METRÔ VEM DESDE QUÉRCIA

Jânio de Freitas cita a tentativa do governo de Orestes Quércia de construir um metrô em Campinas, na época administrada pelo braço direito de Lula no PT e no sindicalismo, Jacob Bittar. Ele liga o caso ao assassinato de Toninho Costa Santos, então vice-prefeito petista, dado por muitos como origem da revelação da fraude.

O colunista da Folha Jânio de Freitas afirma que os casos de corrupção do propinoduto tucano remonta ao governo de Orestes Quércia. Ele ainda liga a revelação da fraude na época em Campinas ao posterior assassinato de Toninho Costa Santos, então vice-prefeito petista. Leia:

Corrupção, que alívio...

Tive uma experiência paralela de como as coisas se passavam e continuaram a ser nas obras do metrô
A revelação, feita pela Siemens, de um cartel de empresas para corrupção em serviços na obra do metrô paulistano, traz, além de outros possíveis sentimentos, um alívio para muitos. São as pessoas entre as quais é recorrente, há tantos anos, a referência à corrupção nessa obra -sem sequer vislumbre de denúncia ou de investigação dos que deveriam fazê-las.

Vem de longe. Do começo. No remoto e mal esquecido governo de Orestes Quércia, tive uma experiência paralela de como as coisas se passavam e continuaram a ser.

Muito feliz com o que o metrô em São Paulo proporcionava, Quércia quis fazer mais um, este na Campinas de suas origens. À época administrada pelo braço direito de Lula no PT e no sindicalismo, Jacob Bittar, e nem por isso Quércia teve problema. 

Um acordo resolveu o conveniente. As condições para a obra é que se mostraram problemáticas. Em termos, porque logo foi sugerida a solução do metrô de superfície -de qualquer modo, uma boa obra nos sentidos mais interessantes.

Feita a alegada licitação, a Folha demonstrou a publicação antecipada do seu resultado. Quércia negou o conluio, claro, e ironizou o anúncio classificado com a antecipação. Viria então a ser exibido, pelo governo e pela empreiteira dada como vencedora, um anúncio publicado na própria Folha, com o nome de outra empreiteira, como comprovação de que publiquei diferentes resultados.

Ocorreu-me que talvez houvesse ainda a papeleta de entrada desse anúncio, onde o responsável tivesse deixado alguma indicação sua. A ajuda de meu colega (e amigo) Leão Serva, então na Folha, foi preciosa. Conseguiu encontrar a papeleta. Nela, um nome e telefone.

Demorei muito até conseguir que atendessem a uma das ligações. É que o sujeito do nome e seus companheiros estavam ocupados. Era trabalhador de uma obra. Da empreiteira Mendes Jr.. A mesma que vencera a alegada licitação. A contra-revelação estava desmoralizada.

Os fatos foram noticiados em pormenores pela Folha. Nenhuma dúvida de pé. Passamos a esperar, apenas, o inquérito, e a consequente anulação da obra, pelo Ministério Público de São Paulo. Os que sobrevivemos ainda, estamos esperando até hoje.

Lula disse à Folha, dias depois, em defesa de Jacob Bittar, que a publicação da fraude "foi feita para prejudicar eleitoralmente o PT". Jacob Bittar não tardou muito a dar as costas a Lula e ao PT, e aderir integral e explicitamente a Quércia, bandeando-se para o PDT.

Fui processado por Orestes Quércia, que perdeu em quantas instâncias judiciais desejou.

Toninho Costa Santos, então vice-prefeito petista, foi dado por muitos dos envolvidos, e por muitos outros, como origem da revelação de fraude. Mais tarde eleito prefeito, foi assassinado, sem que a polícia paulista fosse capaz, ou por algum outro motivo, de dizer algo convincente sobre autor ou mandante do crime. Às vezes me ocorre a suspeita de que o íntegro Toninho começou a morrer na época daquela fraude, quando muitos passaram a vê-lo como incorruptível, e portanto perigoso, na sua carreira de ético entre interesses e interessados de todos os tipos.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

E a “falida” Petrobras lucrou 11% a mais em 2013? 26 de fevereiro de 2014 | 02:08 Autor: Fernando Brito

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Os jornais vão amanhecer com  esta informação, seguida ou antecedida dos “mas, porém, entretanto, todavia”  que acompanha qualquer notícia econômica boa neste país.
Num ano difícil, com queda na produção (menos 2% na média anual) provocada por uma série de fatores (declínio de poços antigos, atraso na ligação de novos – tanto por dificuldades técnicas quanto por demora na produção de equipamentos nacionais – e mesmo pela natural dificuldade de uma complexa cadeia de equipamentos navais) , com valorização do câmbio e com a mais que necessária cooperação  para evitar que altas dos combustíveis acirrassem um espasmo inflacionário, com tudo isso, a Petrobras teve um lucro superior em 11,3% em relação ao verificado em 2012, invertendo a dois anos consecutivos de queda no lucro da empresa.
Numa empresa que está dobrando de tamanho em poucos anos, com um pesado plano de investimentos que supera US$ 45 bilhões por ano (em 2013 foram R$ 99 bi investidos) nada mais natural que uma oscilação nos lucros.
Se a variação do lucro for medida pelo Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortizações) ajustado, que retira boa parte das oscilações provocadas pela variação cambial – que ninguém sabe se vai continuar ou reverter-se,  o lucro da Petrobras cresceu 17,8% em 2013, na comparação com 2012,  chegando a R$ 62,967 bilhões.
O que tem e ser olhado pelo investidor – investidor, não especulador – é a perspectiva da empresa no médio e longo prazos, embora estas perspectivas, agora, já sejam grandes também no curto prazo, com uma variação entre a produção de ponta  a ponta de 2014 que será superior a 20%, o que dá um incremento de algo em torno de 7,5%  na média de sua produção anual.
Haverá, quase que certamente, um erro de leitura do plano de produção da empresa divulgado hoje, em que a empresa estima em 4 bilhões de barris a sua produção de petróleo para 2020.
O número não inclui a parte do petróleo retirado dentro dos contratos de partilha que pertence ao Governo brasileiro. No caso de Libra, por exemplo, 41,65% por cento de tudo o que for retirado, pagos os custos. Deverá ser assim, também, na extensão dos campos das aéreas de cessão onerosa – Florim, Franco e Iara – que estarão em produção nesta data.
A produção brasileira total  de petróleo vai superar 5,2 bilhões de barris diários.
150% maior que a de hoje.
É significativo também que a empresa não planeje subir deste patamar. Confirma a decisão brasileira de ser exportador de petróleo bruto apenas em pequena escala, seja para adequar o fornecimento ao parque de refino de derivados, seja para financiar sua caríssima expansão até os 3,9 milhões de barris diários previstos  para  2030,
A partir daí é que o país fará a opção entre ampliar exportações de óleo crú ou de derivados ou, ainda, seguir dosando a extração para assegurar suprimento próprio por mais tempo, segundo  as disponibilidades e preços internacionais de energia.
Não haverá correria atrás do dinheiro fácil de exportações, como houve com o minério de ferro, mais abundante aqui e no mundo.
O corte de pouco mais de 6%
A indústria de petróleo não é para ser administrada como “gadgets” de internet, que se compra ou vende de acordo com as oportunidades de mercado.
Ela é a espinha dorsal do desenvolvimento econômico sempre. E a do petróleo será a maior delas, ainda por várias décadas.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

STF e a parábola sobre a quadrilha Por Paulo Moreira Leite, em seu blog:


O Supremo encara na quarta-feira o debate sobre os embargos infringentes contra a condenação de crime de quadrilha contra os réus da Ação Penal 470. 

Conforme o artigo 288 do Código Penal, quadrilha é uma associação de “três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes". 

A condenação por este crime é inaceitável. 

Você pode ter a opinião que quiser sobre os réus da AP 470. Pode dizer que eles cometeram delitos e mesmo crimes. 

Mas não pode dizer que se articularam “para o fim de cometer crimes.” 

A menos, claro, que pretenda criminalizar a atividade política. 

A atividade dos condenados não era cometer crimes – mas fortalecer e consolidar um projeto político. 

É uma diferença que a maioria da população distingue com clareza. Essa distinção explica as três vitórias eleitorais consecutivas obtidas pelo condomínio Lula-Dilma e, a julgar pelas pesquisas eleitorais mais recentes, pode lhe dar a quarta eleição em outubro, feito inédito desde a proclamação da República, em 1889. 

A menos que você tenha uma visão preconceituosa sobre os valores do brasileiro, como sugerem tantos antropólogos de botequim e até alguns de nossa academia, irá reconhecer que isso acontece porque a população reconhece os benefícios produzidos pelas mudanças de natureza social e econômica que foram feitas no país. Aprova a distribuição de renda, a queda da desigualdade, o menor desemprego em muitos anos de história. 

É disso que estamos falando. 

É errado dizer que erros e ilegalidades que podem ser apontados no processo eram o “fim” do projeto. 

Embora seja possível concordar com a noção de que mais vantajoso do que assaltar um banco é fundar um, uma instituição financeira que cobra taxas indevidas de seus clientes deve ser punida pelos desvios cometidos mas não vamos dizer que é uma “quadrilha”, certo? 

Uma empresa que não paga direitos trabalhistas aos empregados deve ser acionada na Justiça mas não vamos dizer que seus executivos formam uma “quadrilha”, não é mesmo? 

Falar em quadrilha, na AP 470, não é correto, quando a melhor prova do “fim” é um Land Roover de um acusado de periculosidade afinal tão relativa que sequer foi incluído entre os 40 réus da AP 470. 

Ou quando José Genoíno, um dos principais chefes, conforme a denuncia, reside numa casa modesta na Previdência, em São Paulo, comprada a prestações na Caixa Econômica. 

Imagine que até hoje não se falou num único projeto do governo Lula que tenha sido aprovado pela “compra de votos.” Nenhum. Com toda sua retórica, o delator Roberto Jefferson não citou um único caso. 

Quem fala da Previdência apenas demonstra que caiu num conto do vigário e desconhece um fato político elementar. Com as mudanças na Previdência o governo Lula aderiu às propostas de seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. 

O problema de seu governo, então, não era conquistar votos adversários, que eram fartos, mas resolver o que fazer com os descontentes do próprio PT. A maioria foi enquadrada e disciplinada. Uma pequena parte fundou o PSOL. 

Com tudo o que se disse e se escreveu sobre a AP 470 não se produziu nada que se compare, por exemplo, aos R$ 200.000 embolsados pelos parlamentares que venderam seus votos para aprovar a emenda da reeleição em 1997. 

“Aquilo sim era compra de votos,” me disse o então deputado Pedro Correa (PP-PE), que testemunhou a presença de banqueiros que, à saída do plenário, entregavam a senha que os deputados convertidos deveriam apresentar a um doleiro. 

Olha a verdadeira parábola do mensalão e sua quadrilha. 

Dez anos depois da compra de votos da emenda da reeleição, uma parte dos vendidos de 1994 foi atrás das verbas do esquema do PT em 2004. Estavam quebrados. Aquela denúncia da emenda da reeleição virou processo na Justiça e aqueles que foram apanhados precisavam de dinheiro para pagar advogado. 

Boa parte era do PP, o partido de Pedro Correa, que era contra a emenda da reeleição. Queria impedir a reeleição porque ela iria atrapalhar uma possível candidatura de Paulo Maluf. Quase dez anos depois, quando Fernando Henrique já havia deixado o Planalto, onde foi reeleito com ajuda daquela turma, o PP precisava de dinheiro para pagar a defesa dos deputados. 

Hoje, condenado na AP 470, de onde seu partido tirou recursos para livrar seus colegas da cadeia, Pedro Correa cumpre pena em Pernambuco. 

Cadê a quadrilha? Quem faz parte dela? 

Isso só acontece porque nossa democracia mantem regras que estimulam o que é clandestino, irregular e pouco transparente. Apesar de falhas, defeitos e imperfeições, a democracia deve ser defendida de modo incondicional. 

Não precisa de tutelas nem de salvadores de nenhum tipo. 

As principais tentativas sérias de reformar o sistema eleitoral, impedindo relações promíscuas entre o financiamento dos partidos e o setor privado, foram bloqueadas pelos que, agora, emitem suspiros horrorizadas com as falhas e desvios com as quais conviveram alegremente por anos e anos. 

Então chegamos a uma segunda parábola. Impedimos toda e qualquer mudança nas regras do jogo mas, quando o adversário está ganhando, fazemos uma seleção sob medida para que sejam julgados e condenados sem que o direito a ampla defesa tenha sido assegurado, como observou o insuspeito jurista Ives Gandra Martins. Não damos dar sequer o direito ao desmembramento, assegurado aos réus do PSDB-MG que não tinham direito ao foro privilegiado -- situação de 34 dos 37 réus, entre os quais Dirceu e Delúbio Soares

Repare em quem se opôs com todas as forças ao debate no local adequado - o Congresso - sobre a reforma eleitoral encaminhada depois dos protestos de junho. 

Repare em quem dizia que o governo (mas também a OAB, o movimento Ficha Limpa e outros) queriam queria financiamento público exclusivo, com base no desempenho eleitoral de cada legenda, porque o PT iria beneficiar-se com isso. (Não pergunte, é claro, que outro critério, além do apoio popular, deveria ser empregado neste caso). 

Repare em quem disse que uma reforma iria fortalecer as burocracias partidárias, fingindo desconhecer que elas são a única forma de resistência aos mercadores que adquirem parlamentares como quem compra automóvel numa concessionária. 

Repare em quem se disse indignado com a possibilidade da atividade política ser financiada pelo dinheiro do contribuinte – como se não fosse claro que o dinheiro que financia campanhas é devolvido, com lucros, pelos contratos favorecidos. 

Cadê a quadrilha? Quem faz parte dela?

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Wadih: “juiz deve falar nos autos e não pelos cotovelos” 23 de fevereiro de 2014 | 16:20 Autor: Miguel do Rosário

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No fim das contas serão sujeitos como Wadih Damous que salvarão o Brasil da ditadura judiciária a que, às vezes, parecemos nos dirigir.
Wadih Damous: “Dr. Gilmar comete erros grosseiros no conteúdo e na forma de seu pronunciamento”
publicado em 23 de fevereiro de 2014 às 15:43
SOBRE DOAÇÕES E TAGARELICES DE JUIZ
por Wadih Damous, especial para o Viomundo
Criou indevida controvérsia o fato de os condenados na ação penal 470 estarem recebendo doações de militantes partidários para o pagamento das multas, além das penas de prisão, a que foram condenados.
Logo, vozes se fizeram ouvir bradando contra o ato de solidariedade aos condenados. A mais estridente delas foi a do Dr. Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Em sua verberação afirma que a pena não pode passar da pessoa do condenado e, por isso, as doações seriam ilegais.
O Dr. Gilmar comete erros grosseiros no conteúdo e na forma de seu pronunciamento. Brandir, para esse caso, o princípio de que a pena não pode passar da pessoa do condenado é equívoco rasteiro e para o qual não consigo encontrar justificativa válida, ao menos jurídica.
Ora, o princípio constitucional da intranscendência da pena (art. 5º, XLV ) é uma conquista do Direito Penal dos países civilizados, porque não permite que a condenação penal passe da pessoa do condenado e atinja seus parentes, amigos, etc.
Nem sempre foi assim. Basta lembrar a decisão condenatória de Tiradentes, à luz do Código Filipino: “…declaram o Réu infame, e seus filhos e netos”.
É óbvio – embora não para alguns poucos – que os doadores não estão cumprindo a pena no lugar dos réus. Não estão sendo coagidos a nada. Realizam, de forma espontânea, doações aos réus devedores. Os motivos para o seu gesto dizem respeito tão somente a eles.
A doação é ato previsto no nosso Código Civil (art. 538) e consiste na transferência, por liberalidade, de bens ou vantagens do patrimônio de uma pessoa para o patrimônio de outra pessoa.
A Constituição da República (art. 155,I) estabelece que sobre as doações incide o imposto de transmissão causa mortis e doação, o ITCD, a ser pago pelo donatário (aquele que recebe a doação) . O doador é responsável solidário pelo pagamento, em caso de inadimplência do donatário. Se o donatário não for domiciliado no Estado, caberá ao doador o pagamento do imposto.
É simples assim. Não, há, portanto, qualquer razão jurídica para tanta histeria com essas doações.
Cabe aduzir que considero a pena acessória de multa em condenação criminal anacrônica (duas penas pelo mesmo fato) e injusta, pois não leva em consideração a capacidade contributiva do cidadão apenado.
Por último, o juiz deve falar nos autos e não pelos cotovelos.
Wadih Damous é advogado e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Rio de Janeiro.

Paulo Moreira Leite Diretor da Sucursal da ISTOÉ em Brasília, é autor de "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA e na Época. Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa". CUBA, VENEZUELA E BRASIL Quem quer agitar um velho espantalho da Guerra Fria

CUBA, VENEZUELA E BRASIL

Quem quer agitar um velho espantalho da Guerra Fria


Num   momento em que o publicitário aposentado Enio Mainardi pede “contrarrevolução já” e apela para golpe militar para impedir que uma aliança formada pelo presidente venezuelano Nicolas Maduro, Lula, Dilma e Fidel Castro transforme nosso Continente numa “ex-Democracia, comandada por líderes comunistas”, convém definir o que pode haver de realidade além do folclore anacrônico e ridículo. 
Em 25 minutos imperdíveis, o jornalista Igor Fuser foi a GloboNews para dar uma aula impecável sobre a realidade venezuelana desde a chegada de Hugo Chávez ao poder, uma década e meia atrás. Quem não assistiu não pode perder a oportunidade.
Há mais de uma década que a oposição brasileira procura  semelhanças entre o governo Lula-Dilma e Hugo Chávez. Esses paralelos fazem parte daquelas fantasias comuns no período da Guerra Fria que continuam  reproduzidas pela turma que não aproveitou a globalização para ler jornais melhores. 
Chávez chegou ao poder como um político de formação revolucionária, com um compromisso favorável a mudanças radicais que nunca fizeram parte do horizonte de Lula. 
A partir de uma perspectiva diferente, Chávez também teve uma atuação diferente, de quem fazia apostas na mobilização popular para enfrentar e derrotar a elite de seu país – em vez de procurar o consenso e a negociação, que sempre foram instrumentos prediletos de Lula. No plano internacional, opresidente brasileiro teve uma convivência com o presidente George W Bush que seria considerada inaceitável por Chávez.
 O que há de mais parecido nos dois países não são os governos, mas a postura de suas oposições diante do processo de mudança social em curso na Venezuela e no Brasil. 
 Derrotada nas urnas há 15 anos, sem intervalos, a oposição venezuelana fez diversas tentativas de impedir a consolidação de Hugo Chávez no poder. Deu um golpe de Estado de 72 horas, no início de 2002. Apesar do apoio incondicional da Embaixada americana, que usou sua influencia para pedir o reconhecimento imediato do novo governo, o repúdio internacional – inclusive do governo Fernando Henrique Cardoso – levou à restauração democrática e permitiu o retorno de Chávez ao poder.
 No final daquele mesmo ano, a oposição ensaiou um segundo golpe. Paralisou as refinarias de petróleo  – responsáveis por 90% das divisas necessárias a compra de bens de primeira necessidade, inclusive alimentos e roupas – numa tentativa de sufocar a economia e forçar a queda do governo. Já eleito novo presidente, Lula teve um papel essencial no desarme da crise. Anunciou que no primeiro dia da posse a Petrobrás iria enviar um navio de petróleo em direção a Caracas. Lula também articulou, com presidentes de países vizinhos, o apoio a convocação de um referendo revocatório, pelo qual Chávez consultaria a população sobre sua permanência na presidência. Inicialmente desconfiado, Chávez acabou concordando com a iniciativa. Venceu o referendo sem dificuldade, ampliando sua base política de apoio.
 No episódio seguinte, a oposição apostou na criação de uma nova crise a partir de uma decisão suicida. Convencidos de que não teriam chances de obter uma parcela importante das cadeiras na Assembleia Nacional, seus lideres boicotaram as eleições parlamentares. A ideia era  retirar a legitimidade de toda decisão que saísse do Legislativo para forçar uma nova paralisia do governo e facilitar novas iniciativas de isolamento internacional. Mais uma vez, deu errado. Mesmo sem oposição parlamentar, o governo Chávez foi capaz de agir dentro de um quadro coerente com a relação de forças do país. Manteve a iniciativa política,   aprovou medidas de acordo com seu programa mas dificilmente será acusado – a sério – de aproveitar-se da retirada de seus adversários para cometer aventuras políticas. Na prática, era acusado de monopolizar o poder por uma oposição que fora reduzida, por decisão de sua única responsabilidade, a  um papel de comentar os atos do governo.
O que se vê, na atitude da oposição venezuelana é uma visão clara e radical da situação política. Não é capaz de aceitar, democraticamente, um prolongado quadro institucional desfavorável, marcado por sucessivas derrotas eleitorais que, de uma forma ou de outra, têm resultado em medidas que a maioria da população aprova. Seu horizonte é o da ruptura e do golpe de Estado, convencida de que, se fizer sua parte, isto é, demonstrar competência para produzir a queda de Nicolas Maduro, não lhe faltará o necessário apoio dos Estados Unidos para consolidar a nova ordem.
 Em 2002, com George W Bush na Casa Branca, a política de combate ao chamado “Eixo do Mal” assegurou um papel ativo de emissários norte-americanos a  Caracas, a tal ponto que muitas posições na embaixada americana passaram ao controle de veteranos de operações anti-comunistas na América Central, os contras que atuaram na Nicarágua e El Salvador. Com Barack Obama, a Casa Branca manteve-se numa posição menos ativa, ainda que, nos últimos dias, com a evolução da crise em Caracas, tenha feito exigências fora do tom diplomático aceitável. A presença de aliados de Maduro nos principais países vizinhos, a começar pelo governo brasileiro, de longe o Estado mais influente da região, é um elemento poderoso de dissuasão contra um envolvimento maior dos EUA. A reação firme contra o golpe que derrubou o presidente Lugo, no Paraguay, tem algo a ver com isso.
 Os médicos cubanos se tornaram uma obsessão da oposição brasileira depois de terem ocupado o mesmo lugar na estratégia da oposicáo venezuelana.  Cheguei a visitar centros de saúde da periferia de Caracas e também entrevistei o responsável pela Organização Pan Americana de Saúde, que possui estatísticas capazes de mostrar o progresso ocorrido nas regiões mais pobres do país.
Embora a oposição faça questão de desqualificar médicos cubanos, é difícil negar oferecem aos venezuelanos um cuidado e um tratamento a que eles jamais tiveram acesso. Ganham muito menos do que os rendimentos auferidos pelos médicos do país. Mas é justamente por isso que são capazes de prestar serviços que jamais puderam ser oferecidos aos venezuelanos pobres. Alguma semelhança com o Mais Médicos? 
Com uma dependência histórica das exportações de petróleo, um mercado interno relativamente pequeno, a Venezuela pagou um preço mais alto do que o Brasil pela crise internacional iniciada em 2008. O crescimento econômico caiu, a inflação subiu, o desemprego aumentou. Mas mesmo assim, Chávez conseguiu se eleger – já doente terminal – e seu sucessor nomeado, Nicolas Maduro, foi escolhido como novo presidente, numa prova de que a população resiste na defesa de suas conquistas.
No Brasil, que vive uma situação objetiva mais confortável, a oposição precisa do pessimismo psicológico como uma política permanente. Compreende-se. Com índices excelentes de emprego e de contínua distribuição de renda, é complicado travar uma discussão eleitoral aberta, a partir de argumentos racionais e propostas objetivas. É necessário alimentar o tumulto, criar a desesperança, forjar o medo.
 Publicitários sabem fazer isso.
 Em 1962, Juarez Bahia perdeu o emprego de redator chefe do Correio da Manhã, então o mais influente jornal brasileiro, quando se recusou a engajar a publicação numa campanha para obrigar o governo João Goulart a (advinhou!) romper relações com Cuba.
As  mais aplicadas partidários da ruptura, nos meios de comunicação, eram as filiais das grandes agencias de publicidade norte-americanas.
Dois anos depois da saída de Juarez Bahia, o Correio fez o editorial “Basta!”, quando deixou o campo da democracia, onde havia firmado uma invejável tradição, para apoiar o golpe militar que derrubou Goulart. 

O que houve na Ucrânia? Na Ucrânia houve de tudo, menos uma revolução popular. Três grandes jogadores estão assentados neste terreno: a Rússia, a União Europeia e os EUA.

Flávio Aguiar
Arquivo

Na Ucrânia houve de tudo, menos uma revolução popular.

Tudo começou com uma série de manifestação empilhadas umas sobre as outras: uma juventude ansiosa por se identificar com a União Europeia, uma classe média cansada pelas sucessivas vagas de corrupção dos sucessivos governos, uma insatisfação com o autoritarismo e o fechamento do governo de Viktor Yanukovitch, o desejo de maior ascendência de grupos do oeste do país em detrimento de grupos do leste do país.

A repressão que o governo desencadeou abriu caminho para uma intensificação do descontentamento, açulado pelos partidos de oposição representados no Parlamento e pelo  encorajamento internacional – da União Europeia a políticos norte-americanos, republicanos e democratas.  De todos os mais animado foi o senador republicano John McCain, em dezembro, gritando na praça da Independência (Maidan), foco e espaço das concentrações: “O mundo livre está com vocês! A América está com vocês!” Melhor lembrança da Guerra Fria e do dito “A América para os [norte-]americanos” seriam impossível. Como nos velhos “bons” tempos, o alvo continua sendo a Rússia.

No pano de fundo destas confrontações estão as desigualdades do país. O leste e o sul – junto à Rússia e ao Mar Negro são mais desenvolvidos e industrializados do que o oeste, mais pobre. O leste, de um modo geral, tem seu foco econômico voltado para a vizinha Rússia, de que depende o abastecimento de gás do país, vital para a indústria e para o aquecimento durante o rigoroso inverno. Se a Rússia endurecer a questão do fornecimento de gás, cortando-o ou simplesmente cobrando o preço de mercado, a Ucrânia literalmente congela – em todos os sentidos. Entretanto para o oeste, mais  próximo da União Europeia, a aproximação com esta significaria em tese uma maior autonomia em relação ao governo central e às demais regiões do país, além de mais oportunidades de colher investimentos. Pelo menos em tese.
 
Há também a questão do histórico repúdio aos russos, maior no oeste, um repúdio cujas últimas e trágicas edições foram uma relação ambígua – para dizer o mínimo – de movimentos nacionalistas ucranianos com o regime nazista da Alemanha, e um conflito sangrento e frequentemente descrito como “inútil” com o regime soviético. No leste há também um fator étnico: o número de habitantes russos é muito grande, o que mexe com os brios dos movimentos nacionalistas. E é bom lembrar que na Europa, ao contrário da América Latina, nacionalismo é sempre coisa de direita.

Se este é o pano de fundo , deve-se levar em conta o que acontece nos bastidores e também no palco da política ucraniana. Nos bastidores pairam as sombras dos grupos econômicos – assim como na Rússia liderados pelos chamados “oligarcas” – que se formaram depois do desmanche da ex-União Soviética, dos processos de privatização de tudo, feitos a toque de caixa, e da independência. Estes grupos de oligarquias é que dão as cartas – o poder do dinheiro – para os que estão no palco, os políticos e seus partidos.
 
Entretanto na Ucrânia não houve, pelo menos até o momento, um Vladimir Putin que, na Rússia, digamos, “botou a casa em ordem”, oferecendo aos oligarcas a manutenção de suas fortunas recém feitas (sobretudo durante o governo de Boris Yeltsin) desde que não se metessem em política. Enfiando os principais desobedientes na cadeia ou mandando-os para o exílio – confortável, na verdade – Putin e seu neoczarismo disfarçado de república impuseram uma espécie de “pax romana” em seu território. Na Ucrânia não houve este Putin, mas uma guerra de grupos ora antangônicos, ora aliados, pelas benesses dos oligarcas e pelos espaços de poder, o que conduziu todos a uma política onde alianças ocasionais são apenas passos para uma ideal tomada total do poder, no melhor estilo do “para mim e os meus tudo, para os demais os rigores da lei”. Este foi o conflito que se estabeleceu entre o atualmente já ex-presidente  Viktor Yanukovitch e sua maior rival, Yulia Tymoschenko, que já fora primeira-ministra por duas vezes, líder do partido chamado de União de Toda a Ucrânia – Pátria Mãe, diríamos em português, embora em ucraniano seja “Pátria Pai”.

Yanukovitch, chegando à presidência em 2010, ensaiou e pôs em prática uma reforma consitucional para aumentar a concentração de poderes em torno da presidência, alijando os demais partidos – inclusive o do Tymoschenko – até mesmo das suas franjas. E através de denúncias de corrupção e de um julgamento carregado de suspeitas botou Yulia na cadeia. Aqui pode-se ter uma ideia das complicações da política ucraniana. Yanukovitch é visto em geral como próximo da Rússia e Tymoschenko como aliada da União Europeia. Pois o primeiro processo aberto contra ela acusava a ex-primeira ministra de abuso de poder e super-faturamento no contrato de fornecimento de gás para Gazprom, a principal empresa russa do setor e uma das maiores do mundo que, como a Petrobrás, reúne capitais privados mas tem seu controle acionário e de fundos nas mãos do Estado.

Entrementes, o pró-Rússia Yanukovitch se aproximava da União Europeia e aprestava-se a assinar um acordo de livre-comercio com ela. Nesta altura, Moscou acendeu a luz vermelha. Para se entender isto precisamos sair do teatro da política ucraniana e olhar o terreno em volta onde ele está localizado. Três grandes jogadores estão assentados neste terreno, como os bispos de um jogo de xadrez, mais um cavalo que joga com dois deles, contra o terceiro. Os jogadores são a Rússia, a União Europeia e os Estados Unidos, e o cavalo é a OTAN, a aliança militar que teve como principal inimiga a antiga União Soviética e que agora, além de policiar o norte da África  e áreas próximas, continua, nem que seja por força do hábito, a cercar seu adversário  histórico, atraindo para si os ex-satélites deste.

Os interesses dos Estados Unidos e da UE não são coincidentes na região, pois na atual conjuntura interna de Washington não interessa atiçar o confronto – a não ser na retórica – com a Rússia, devido às necessidades de acertos na Síria, no Irã, etc. Já a UE tem interesse em desembarcar seus avatares dentro do teatro ucraniano, ampliando sua área de influência econômica, seu mercado e suas ‘reformas de austeridade’. Outro fator que complica este movimento é o temor histórico dos EUA de que, mesmo com rivalidades marcantes, a proximidade entre Alemanha e Rússia termine por forjar  uma aliança estável  e poderosa que desenvolva um outro núcleo regional de poder. Na base de um movimento destes estaria novamente o gás russo, de que a Alemanha já depende e vai depender mais quando – e se – cumprir a promessa de desativar suas usinas nucleares.

De um modo ou de outro, o fato é que a Rússia colocou um sinal de “Pare!” nos movimentos de Yanukovitch: prometeu 15 bilhões de euros em empréstimos quase a fundo perdido – coisa que a UE, às voltas com suas próprias quebradeiras, não tem condições de oferecer à quebrada Ucrânia – baixou ainda mais o preço do gás e pôs à disposição um acordo de livre-comércio consigo mesma, mais outros países da região, ex-repúblicas, como a Ucrânia, da antiga URSS. Yanukovitch, que já estava com a caneta na mão e embarcando para Bruxelas, tampou aquela e desceu do avião. Junto aos projetos de novos capitalistas e da classe média do oeste ucraniano (onde o desemprego também é grande entre os jovens), que já sentiam o doce odor dos euros ao alcance da mão, este recuo foi a gota d’água.

Voltando ao cenário político, a gôta d’água acabou se transformando num mar de sangue. É verdade que as manifestações foram reprimidas duramente pela polícia. Mas rapidamente sua linha de frente e também seu espaço foram ocupados por movimentos de extrema-direita, nacionalistas xenófobos, antirrussos, anti-direitos humanos, anti-imigrantes, antissemitas, anti-etc., tradicionais na Ucrânia. São grupos de combate, armados, que fizeram frente a uma polícia que progressivamente foi se tornando caótica e desorganizada. Estes grupos são ligados, mas não necessariamente subordinados, ao Partido Svoboda, de extrema-direita, que tem representação no Parlamento. Na última semana os confrontos chegaram ao paroxismo.

Na frente de negociação assentaram-se à mesa três ministros de Relações da União Europeia (Alemanha, França e Polônia), Yanukovitch, três partidos de oposição e mais um representante da Rússia. Enquanto isto, na praça em frente, o conflito de agudizou, com armas de fogo de parte a parte, e franco-atiradores que provavelmente eram de ambos os lados, embora a polícia tivesse ainda maior poder de fogo. O resultado foi de centenas de feridos e muitas dezenas de mortos; as cifras destes últimos variavam entre cerca de 50 a mais de 70, com pelo menos 11 policiais. A certa altura o noticiário chegou a informar que 70 policiais tinham sido “sequestrados” pelos “manifestantes”.

Coloquei “manifestantes” agora, logo acima, entre aspas, porque houve um movimento constante por parte da mídia do Ocidente de idealizar o que ocorria na praça principal de Kiev, apresentando os acontecimentos como um confronto desproporcional entre a brutal repressão do governo e os “amantes da liberdade”.
 
Apesar desta cortina de fumaça, logo começaram a vazar as informações de que estes últimos eram na maioria e na verdadeira verdadeiras gangues neo-fascistas que não aceitavam nenhuma negociação nem nada , a não ser a queda de Yanukokovitch e o afastamento da arqui-inimiga Rússia.

Na mesa de negociação chegou-se a um acordo, envolvendo um recuo nas reformas constitucionais promovidas pelo presidente, eleições em dezembro deste ano e a formação de um governo provisório de coalizão. Mas na praça a força policial vinha recuando cada vez mais diante dos “manifestantes”, a tal ponto que estes ampliaram os espaço sob seu controle, chegando inclusive a tomar as entradas do palácio presidencial. Sentindo-se sem condições de segurança, Yanukovitch deixou a capital em direção ao nordeste do país.

Seguiu-se nesta altura um verdadeiro golpe de estado no novo estilo “legalizado” corrente em várias ocasiões neste século XXI (Honduras, Paraguai, Grécia, Itália...): o Parlamento declarou que Yanukovitch “abandonara o cargo” e destituiu-o da presidência, com vários ex-membros de seu partido bandeando-se para o lado da oposição, antecipando as eleições para maio e libertando Tymoschenko, que já declarou-se candidata.

Que acontecerá no futuro? É uma boa pergunta. Antes de conjeturar, um parêntese: e as Forças Armadas da Ucrânia? Trata-se mesmo de um parêntese. Depois da independência em relação à ex-União Soviética, as FFAA abriram mão do arsenal nuclear que estava acantonado em seu território, passando-o à nova Rússia emergente, e diminuiram seu contingente de quase 800 mil para pouco mais de 300 mil homens. Estão entre a cruz e a caldeirinha, realizando manobras tanto com a Rússia quanto com a OTAN, que já se declarou de braços abertos para receber este novo aliado quando ele quiser aderir. O namoro está no ar, e só não se concretizou por causa da vigilância do chá-de-pera Rússia. Até o momento, pelo menos, as FFAA ucranianas parecem estar olhando para o lado – pois nem mesmo a segurança do presidente foram capazes de garantir.

A este caldo complicado junta-se a ameaça do país rachar em dois (pelo menos): a Criméia já manifestou desejos de se separar do restante do país e pedir sua reintegração à Rússia. E no oeste também há manifestações de separatismo e aproximação com a UE, à revelia das outras regiões.

O que vai acontecer vai depender das mensagens que estarão neste momento sendo trocadas entre Moscou, Washington, Bruxelas, Berlim, Paris e em menor grau outras capitais europeias, como Londres e Varsóvia. Qual será o novo arranjo entre os partidos políticos ucranianos? É uma boa pergunta. Tymoschenko vai mesmo recuperar seu antigo espaço na oposição  que liderava, hoje ocupado por Vitali Klitschko, do Partido Democrático Aliança pela Reforma? O Svoboda vai aumentar seu poder de fogo? O que fará Yanukovitch? Os movimentos de trabalhadores, sobretudo no leste, ainda se mantinham a seu favor, embora no momento, com seu enfraquecimento,  isto não tenha significado muito no tabuleiro enxadrístico ucraniano. E o que farão os grupos neofascistas que mantém Kiev sob seu controle?

O que estes farão ainda não se sabe. Mas já se sabe o que estão fazendo. No domingo pela manhã (23), enquanto eu redigia estas notas, corria a notícia – em tom discreto, ao lado da retumbância triunfal dada ao discurso de Yulia Tymoschenko na praça da Independência – de que a Embaixada de Israel na Ucrânia emitira um comunicado pedindo que todos os judeus se abstivessem de sair às ruas de Kiev ou até mesmo deixassem a capital, se pudessem, diante dos ataques contra eles que vem se sucedendo e intensificando nas ruas, com espancamentos, perseguições e outras coisas deste tipo.

Como em velhos mas nada bons tempos, brinca-se com fogo por aqui.

(*) Publicado originalmente no Blog do Velho Mundo, na Rede Brasil Atual.

O que a Folha deixou de dizer sobre Pizzolato


Postado em 23 Feb 2014
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Má fé cínica ou obtusidade córnea.
A célebre sentença de Eça de Queirós me ocorreu ao refletir sobre a informação da Folha de S. Paulo a respeito das compras de imóveis de Pizzolato na Espanha.
Mas há na verdade uma terceira hipótese, uma combinação de ambas as coisas, má fé e obtusidade.
Não há contexto no que a Folha trouxe. Pizzolato simplesmente, por força das circunstâncias, aparece aos olhos do leitor como um gatuno.
O site O Cafezinho fez o que a Folha não fez: pesquisou. Encontrou uma reportagem do Correio Braziliense de alguns meses atrás sobre o mesmo Pizzolato.
Nela, Pizzolato, aparece se desfazendo dos imóveis que tinha no Brasil. Importante: todos os imóveis estavam em sua declaração de renda, esmiuçada pela Receita Federal.
Pizzolato tinha vendido seus imóveis já há alguns anos por razões estritamente lógicas. Ele ao ver a fúria assassina do STF temia que o patrimônio de uma vida inteira fosse ficar indisponível exatamente na hora em mais precisava dele.
Na mesma linha da lógica da sobrevivência ele se separou legalmente da mulher Andrea, mas não de fato. Assim, ele poderia pôr seus bens no nome dela.
A reportagem do Correio Braziliense conta que ele chegou a morar na Espanha, com intenções de se fixar lá.
Tudo isso que estou colocando aqui estava ao alcance da Folha com um simples clique no Google. Por que o jornal não fez nada?
Voltamos então à frase de Eça de Queirós.
A “revelação” da Folha foi suficiente para provar teses de colunistas arquiconservadores. Reinaldo Azevedo por exemplo, disse que as compras de Pizzolato tornavam ridículas as vaquinhas dos condenados do mensalão.
Azevedo – que tem uma comovente fixação por mim desde que critiquei seu amigo Diogo Mainardi alguns anos atrás – é o mesmo que disse que Margareth Thatcher morreu pobre. Thatcher, como todo mundo sabia exceto Azevedo, deixou uma casa em Mayfair, o bairro mais nobre de Londres, no valor calculado de 15 milhões de reais. A casa era apenas um dos bens de Thatcher.
A mesma disposição que a Folha sente em investigar Pizzolato não se manifesta, infelizmente, quando se trata de alguém poderoso. A Folha abandonou abjetamente a investigação da sonegação bilionária da Globo depois de ter dado uma única nota. Recebeu um pito da Globo, provavelmente.
No planeta Folha a sonegação – documentada – simplesmente deixou de existir. Este é o jornal que durante anos nos atormentou com o slogan publicitário em que dizia que não tinha rabo preso com ninguém.
O caso Pizzollato tem sim que vir à luz. Mas não do jeito que a Folha está fazendo.
Mais uma vez: é má fé ou inépcia – ou ambas as coisas.
Paulo Nogueira
Sobre o Autor
O jornalista Paulo Nogueira é fundador e diretor editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.