quinta-feira, 31 de janeiro de 2013




quarta-feira, 30 de janeiro de 2013


80 anos da ascensão do nazismo

Por Augusto Buonicore, no sítio daFundação Maurício Grabois:

Nunca um acontecimento na história do século 20 teve tanto impacto na elaboração tática do movimento socialista e comunista internacional quanto a ascensão dos nazistas ao poder na Alemanha, ocorrida em 30 de janeiro de 1933. Esta derrota estratégica do proletariado e das forças progressistas foi fruto mais dos erros da própria esquerda, do que dos acertos de Hitler e seus asseclas. O esquerdismo e o reformismo predominantes no seio das duas principais correntes do movimento socialista internacional, que se organizavam na Internacional Comunista e na Internacional Operária e Socialista (social-democrata), foram corresponsáveis por uma catástrofe de impacto planetário que custou dezenas de milhões de vidas humanas. A experiência alemã constitui-se numa lição que jamais poderá ser esquecida.

Em 1928 o Partido Social Democrata da Alemanha (PSDA) obteve uma grande vitória eleitoral e formou um novo governo ao lado do Partido Popular e do Partido de Centro – católico,representante da pequena-burguesia e da burguesia republicana alemã. O Partido Comunista também viu sua votação crescer. E a grande derrotada foi a extrema-direita. A República democrática alemã parecia mais fortalecida do que nunca.

A Alemanha ensaiava uma retomada do desenvolvimento econômico e a superação das crises que a atingiam sucessivamente desde o final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Esta situação criou um clima de otimismo entre parcelas importante dos trabalhadores. Mas este desenvolvimento era frágil e, em grande parte, sustentado pelos altos investimentos realizados pelo imperialismo estadunidense. Além disto, quase toda sua produção era destinada aos mercados externos, particularmente para os próprios Estados Unidos.

Apesar das aparências, a “paz social” e a democracia não eram sólidas. Existia ainda cerca de 1 milhão e meio de desempregados – fermento para a radicalização política. Neste clima, o governo social-democrata resolveu proibir as comemorações públicas do 1º de Maio. Na Prússia, o chefe da polícia e dirigente social-democrata Zörgiebel ordenou reprimir o ato promovido pelos trabalhadores comunistas, e o saldo foi 33 mortos e centenas de feridos – um acontecimento que ajudou a aumentar ainda mais o fosso existente entre socialistas e comunistas. Para os últimos a social-democracia e o fascismo passaram a ser considerados “farinha do mesmo saco”.

A crise da Bolsa de Nova Iorque, iniciada em outubro de 1929, teve efeito catastrófico na Alemanha. De repente, cessou todo ingresso de capitais estrangeiros e as portas do comércio internacional foram abruptamente fechadas. A fragilidade da economia alemã ficava assim claramente demonstrada. Centenas de indústrias faliram em pouco tempo e o índice de desemprego explodiu. No início de 1932 já existiam mais de 6 milhões de desempregados, o que representava cerca de ⅓ da força de trabalho do país.

Os grandes industriais queriam jogar o peso da crise nas costas dos trabalhadores e exigiram a diminuição de salários, o aumento da jornada de trabalho e a eliminação de direitos sociais. Uma das primeiras vítimas desta ofensiva conservadora foi o ministro das Finanças, o economista social-democrata Hilferding, destituído do cargo. O governo tentou fazer outras e maiores concessões à grande burguesia, como reduzir as pensões dadas aos desempregados, mas encontrou resistência de sua própria base parlamentar e dos sindicatos. E, em março de 1930, caiu o governo social-democrata. Melancolicamente ia chegando ao fim a República de Weimar, o curto período que vigorou a democracia parlamentar burguesa na Alemanha.

No lugar do social-democrata foi indicado um deputado do centro católico chamado Bruning. Não tendo maioria parlamentar, ele aproveitou-se de uma brecha na Constituição para governar através de decretos-lei. Dois meses depois de assumir, o governo dissolveu o Parlamento e convocou novas eleições para setembro de 1930.

O maior partido alemão continuava sendo o PSDA, que diante do novo governo conservador adotou uma “política de tolerância”. Comprometia-se a não fazer qualquer oposição, na medida em que ele se mantivesse dentro da legalidade e defendesse a República. Afinal, segundo os social-democratas, um governo Bruning ainda seria melhor do que o governo Hitler.

Durante a crise, os comunistas também conheceram um significativo crescimento. Entre 1928 e 1930 passaram de 54 para 77 deputados e, em 1932, este número subiu para 100. Aumentou rapidamente a quantidade de filiados ao PCA, com grande parte deles formada de desempregados e de jovens trabalhadores. O proletariado mais velho das grandes fábricas permaneceu sob a influência da social-democracia. Havia, assim, uma grave cisão nas fileiras da classe operária alemã.

A euforia dos comunistas levou-os a não tirar todas as consequências dos resultados eleitorais. A maior novidade não era o crescimento do PCA, mas a acentuada expansão da extrema-direita nazi-fascista. Esta elegera apenas 12 deputados em 1928, no auge da recuperação econômica alemã, e 107 em 1930. Nas eleições de julho de 1932 pulou para 230 deputados. Ou seja, obtivera bem mais que o dobro de votos que os comunistas.

A Internacional Comunista e a teoria do social-fascismo

O VI Congresso da Internacional Comunista se realizou em julho de 1928. Nele, predominou uma concepção sectária e estreita sobre a política de alianças. Abandonou-se, na prática, a política de Frente Única estabelecida nos congressos anteriores; e foi desautorizado o estabelecimento de acordos políticos com as direções dos partidos e sindicatos social-democratas. As alianças, agora, só poderiam se dar com as bases operárias destas organizações reformistas.

Às vésperas da tomada do poder pelos nazistas, o principal dirigente do PCA, Thaelman, afirmou: “uma aliança entre o PCA e o PSDA é impossível (...) por motivos de princípios”. Continuou ele: “Nós comunistas, que rejeitamos fazer qualquer coisa de comum com os chefes do PSDA, tornamos a declarar que estamos, em qualquer tempo, dispostos a uma ação antifascista com os camaradas social-democratas da Reichbanner (Bandeira imperial) e com as organizações subordinadas que queiram lutar”.

Na prática, o inimigo principal passou a ser a social-democracia. Já em 1924 Zinoviev, presidente da Internacional Comunista, chegou a definir a social-democracia como a “ala esquerda do fascismo”. Na mesma linha, Stálin afirmou: “a social-democracia é objetivamente a ala moderada do fascismo”. Em outro texto disse: “O fascismo e a social-democrata são, não inimigos, mas gêmeos”. O fato era que, historicamente, o fascismo não poderia se implantar sem destruir completamente a social-democracia. Os dois fenômenos foram, portanto, de naturezas bastante distintas. A confusão quanto a isto contribuiria para a catástrofe que se seguiria.

Nas resoluções do VI Congresso da Internacional Comunista (IC) podemos ler: “Segundo as exigências da conjuntura política, a burguesia utiliza tanto métodos fascistas como as alianças com a social-democracia. No entanto, não é estranho que esta, em particular em momentos críticos para o capitalismo, assuma feições fascistas. No transcurso de sua evolução a social-democracia revela tendências fascistas”.

O termo social-fascismo adquiriu força após o massacre no 1° de Maio de 1929. Em julho daquele ano, na X Plenária da IC, o termo apareceu oficialmente numa de suas resoluções. A XII Plenária, realizada em setembro de 1932, ainda superestimava a força da corrente revolucionária na Alemanha e subestimava o poderio nazista. Por isso, defendeu que a palavra de ordem dos comunistas deveria ser “Por uma Alemanha Socialista e Soviética!”. Nada se dizia sobre a necessidade de constituir uma frente única com a social-democracia contra o nazismo, nem propugnava palavras de ordem de transição em defesa da democracia ameaçada.

A subestimação do significado da ditadura fascista pode ser aquilatada pelo discurso do dirigente e deputado comunista Remmele no Reichstag, em 14 de outubro de 1931. Afirmou ele: “quando eles (os fascistas) estiverem no poder, a unidade da frente proletária será realizada e varrerá tudo”. Esta falsa ideia ainda seria mantida por um breve período após a tomada do poder pelos nazistas.

O avanço nazista e as esquerdas alemãs

No começo de 1932 ocorreu eleição para presidência da República. Comunistas e social-democratas saíram separados. Os comunistas obtiveram 5 milhões de votos. No entanto, os dois candidatos mais votados foram Hindenburg e Hitler. No segundo turno Hindenburg contou com o apoio declarado da social-democracia – o que lhe garantiu uma tranquila vitória. Os comunistas se abstiveram.

Em junho Hindenburg demitiu Brüning e indicou em seu lugar o barão von Pappen, político da ala direita do Partido de Centro Católico. Este revogou a interdição aos grupos paramilitares nazistas e dissolveu o Parlamento, visando a garantir maioria conservadora nas eleições. A direita no poder resolveu derrubar o governo social-democrata na Prússia, através de uma intervenção federal anticonstitucional; ou seja, através de um golpe de Estado.

O Partido Comunista, sentindo o perigo, propôs a realização de uma greve geral contra a intervenção. O Partido Social-Democrata não aceitou a proposta e capitulou sem luta. O estado da Prússia possuía um corpo policial armado de cerca de 90 mil homens, em grande parte formado por ex-operários socialistas. Existiam ainda os grupos de autodefesa comunistas chamados Combatentes da Frente Vermelha e os agrupamentos armados dos social-democratas, os Reichbanner. A resistência operária e popular poderia significar o início de uma guerra civil, aquilo que menos queriam as lideranças social-democratas. Acreditavam que qualquer resultado advindo da mobilização revolucionária das massas, vitória ou derrota, lhes seria desfavorável.

Von Papen dissolveu novamente o Parlamento e convocou eleições para novembro de 1932. Desta vez os nazistas sofreram uma importante derrota. De 13,7 milhões de votos obtidos em março cairiam para 11,7 milhões; de 230 deputados reduziriam para 196. Os comunistas subiram de 89 para 100 deputados. O PSDA baixou de 133 para 121 deputados. A somatória dos dois partidos operários ainda era maior do que a do Partido Nazista tomado isoladamente. Nos dias seguintes os nazistas conheceriam sérios reveses nas eleições para as assembleias legislativas estaduais.

Entre setembro e novembro de 1932 uma onda grevista tomou conta da Alemanha. Destacou-se a greve dos transportes de Berlim que paralisou a cidade. A manutenção do impasse político e o aumento das lutas operárias começavam a amedrontar o grande capital financeiro. Era preciso pôr fim a esta crise interminável. Era preciso instaurar a ditadura aberta. A grande burguesia passou a defender a indicação de Hitler para a chancelaria do Reich. Hindeburg então destituiu Von Papen e indicou Von Schleicher. Este, por sua vez, ficaria apenas dois meses.

Os comunistas, além de subestimar a proposta de frente única, tendiam a considerar todos os governos autoritários como fascistas. Os governos Brüning e Von Papen já eram definidos como fascistas. Esta confusão desarmava os trabalhadores. Afinal, que diferença existiria entre o governo Brüning-Papen e um governo Hitler? Nenhuma. Eram considerados variações de um mesmo tema: o fascismo. A própria social-democracia era definida como ala esquerda do fascismo. Perdeu-se de vista, assim, quem seria o inimigo principal a ser derrotado e isso impossibilitou a conquista de novos aliados, ainda que precários.

Essa confusão durou até que, em 30 de janeiro de 1933, o presidente constitucional Hindenburg nomeou Adolf Hitler para o cargo de chanceler. Assim, os bandidos nazistas chegavam ao poder dentro da legalidade burguesa, respeitando a Constituição de Weimar. Mais uma vez a social-democracia capitulou e recusou a proposta de realizar uma greve geral. Confortava-lhe a ideia de que Hitler houvesse chegado ao poder por vias constitucionais e não por um golpe de Estado, como era previsto. Afinal, os nazistas eram minoritários no novo governo formado por uma coalizão de vários partidos conservadores. Era preciso manter a ordem e a legalidade, diziam muitas lideranças socialistas. No fundo, esperavam ingenuamente derrotar a direita nas próximas eleições parlamentares.

O nazista Frick foi indicado para o Ministério do Interior e Göring para a mesma função no principal estado alemão, a Prússia. Sua primeira medida foi demitir todos os oficiais e policiais suspeitos aos olhos dos nazistas, e incorporar à polícia do Estado os membros das SA e SS, tropas de choque hitleristas. Em uma de suas primeiras ordens do dia, afirmou: “Os oficiais de polícia que utilizarem armas de fogo na execução de seu dever pode contar com todo o apoio, independentemente das consequências de seus atos”. Começava o reino do terror.

Na madrugada de 27 de fevereiro de 1933 o Parlamento Alemão (Reichstag) foi incendiado e a acusação recaiu sobre o Partido Comunista Alemão. Na mesma noite cerca de 5 mil comunistas foram presos, e vários assassinados. Montou-se um processo-farsa contra o PCA e a Internacional Comunista.

Em 5 de março, poucos dias após uma grande repressão aos comunistas, se realizaram novas eleições. As principais cidades alemãs foram tomadas de assalto pela propaganda nazista. Parecia que, da noite para o dia, haviam desaparecido os socialistas e comunistas. Não se via suas propagandas em parte alguma. O Partido Nazista conquistou 17.250 milhões de votos. No entanto, apesar da violenta repressão, a social-democracia elegeu 120 deputados e o Partido Comunista 81. O “perigo socialista” reaparecia e precisava ser extirpado de uma vez por todas. Mal acabou a apuração, no dia 9, o PCA foi colocado na ilegalidade. Vários dirigentes social-democratas também foram presos ou obrigados a se exilar.

Com a cassação de todos os deputados comunistas e de alguns social-democratas, os nazistas e seus aliados passaram a ter maioria no Reichstag e no dia 23 de março apresentaram a “Lei de Autorização” revogando de fato a Constituição ainda em vigor e autorizando o governo nazista a ditar leis, sem a necessária aprovação do Parlamento. Esta lei foi aprovada por 441 votos contra apenas 94 – isto era o que restava da bancada social-democrata.

O PSDA, buscando manter-se na legalidade a qualquer preço, fez concessões inadmissíveis. Concordou em expulsar de suas fileiras os judeus e não incorporar na sua direção os exilados. Tudo isso de nada lhe valeu. Em maio o partido e seus sindicatos foram colocados fora da lei, os deputados cassados e vários dirigentes presos. No dia 14 de julho foram dissolvidos todos os partidos políticos, salvo o Partido Nazista. A ditadura terrorista estava agora consolidada.

As lições da derrota: nascem as frentes populares

Mesmo após a vitória do nazismo, não havia por parte dos comunistas plena compreensão do que estava ocorrendo na Alemanha e continuavam com uma visão triunfalista, que não correspondia à realidade adversa. Em março um documento da Internacional Comunista afirmava: “a calma atual que se seguiu à vitória do fascismo é apenas um fenômeno transitório. O ascenso revolucionário na Alemanha crescerá inevitavelmente, apesar do terror fascista (...). A instalação da ditadura fascista aberta, destruindo todas ilusões democráticas das massas e libertando-as da influência social-democrata, acelera o ritmo do desenvolvimento da Alemanha em direção à revolução proletária.”. Para os comunistas, apesar de tudo, havia algo de positivo na vitória de Hitler: o fim das ilusões democráticas e o desmascaramento da social-democracia entre as massas. Um erro grave que, rapidamente, precisaria ser corrigido se a classe operária quisesse romper o cerco de ferro e fogo que se construía em torno dela.

Felizmente, em 1935, a Internacional Comunista realizou uma guinada de 180 graus na sua política e, no seu VII Congresso, passou a compreender melhor o real perigo que representava a ofensiva nazi-fascista e a advogar a constituição de amplas frentes de caráter democrático e popular contra essa ameaça. O nazi-fascismo passou a ser considerado o inimigo principal a ser derrotado.

O informe de Georgy Dimitrov, apresentado naquele encontro, se tornou um dos principais documentos do movimento comunista internacional e significou uma ruptura com o período anterior no qual predominava o esquematismo e o esquerdismo. Para ele, “a subida do fascismo ao poder não era uma simples mudança de um governo burguês, mas sim a substituição de uma forma estatal de dominação de classe da burguesia – a democracia burguesa – por outra das suas formas, a ditadura terrorista declarada. Ignorar essa diferença é um grave erro, que impede o proletariado revolucionário de mobilizar as mais amplas camadas de trabalhadores da cidade e do campo contra a ameaça de tomada de poder pelos fascistas, assim como tirar proveito das contradições existentes no seio da própria burguesia”.

A autocrítica comunista expressa no documento era bastante dura: “O fascismo chegou ao poder, antes de mais nada, porque a classe operária achava-se dividida, desarmada política e organicamente frente à burguesia que partia para a ofensiva. Triunfou também porque o proletariado se encontrava isolado dos aliados naturais, os camponeses e a pequena-burguesia urbana”. Continua ele: “Nas nossas fileiras (...) existia a inconcebível subestimação do perigo fascista que, até o presente momento, não foi liquidada (...). O esquerdismo entre nós já não é uma ‘doença infantil’, como dizia Lênin, mas um vício arraigado, e sem nos livrarmos dele não poderemos criar uma Frente Única. Na situação atual, o sectarismo orgulhoso, satisfeito da sua estreiteza doutrinária, satisfeito com seus métodos simplistas para tentar resolver problemas complicados sobre a base de esquemas cortados por um modelo pronto, distanciado da vida real das massas, entorpece nosso esforço de construir a Frente Popular”.

Dimitrov aproveita também para recolocar de maneira correta a relação dos comunistas com a democracia burguesa: “Nós (...) defendemos nos países capitalistas, palmo a palmo, as liberdades democrático-burguesas contra as quais atentam o fascismo e a reação. Nós não somos anarquistas e não nos pode ser, de maneira alguma, indiferente qual regime político impera num dado país; se a ditadura burguesa em forma de democracia burguesa ou a ditadura burguesa, na sua forma mais descarada, fascista. Sem deixarmos de ser partidários da democracia soviética, defenderemos palmo a palmo as condições democráticas arrebatadas pela classe operária durante anos de luta acirrada e lutaremos decididamente por ampliá-las. O proletariado de todos os países verteu muito sangue para conquistar as liberdades democrático-burguesas e, é óbvio, que lute com todas as suas forças para conservá-las”. Graças a esta nova política, advogada por Dimitrov, a Internacional Comunista, os comunistas puderam se colocar na vanguarda do movimento mundial contra o nazi-fascismo e esmagá-lo em 1945.

* Augusto Buonicore é historiador, secretário-geral da Fundação Maurício Grabois. E autor dos livros Marxismo, história e revolução burguesa: encontros e desencontros e Meu verbo é lutar: a vida e o pensamento de João Amazonas, ambos pela Editora Anita Garibaldi.

do Blog do Miro : Mauro Santayana


quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Quem controlará o guardião?

Por Mauro Santayana, em seublog:

Ao aprovar a reforma do Ministério Público no Brasil, e dar aos promotores e procuradores o poder de investigação criminal, os constituintes de 1988 adotaram uma cautela existente nos principais países do mundo. Os membros do Ministério Público podem, ou não, exercer a tarefa investigatória, conforme a sua própria decisão. É claro que o MP não pode, nem deve, tratar de questões policiais menores, mas a sua presença é absolutamente necessária quando se trata de delitos em que os suspeitos e os acusados são pessoas poderosas, seja pelo dinheiro, seja pela notoriedade, seja pela política.

Foi esse poder constitucional que permitiu ao Procurador Geral da República Aristides Junqueira presidir às investigações que conduziriam ao impeachment de Collor. Collor foi absolvido no processo judicial, conforme a decisão do STF – mas não escapou do julgamento político do Parlamento. Ainda assim, dos oito ministros do STF que o julgaram, três o condenaram.

Sob qualquer ordem da inteligência de Estado – e mesmo com alguns exageros que serão corrigidos pela evolução do sistema e pela pressão da sociedade – o Ministério Público deve manter essa prerrogativa. A polícia judiciária, com todos os seus méritos e a dedicação de muitos de seus integrantes, comete erros todos os dias. Ainda que alguns procuradores possam também cometê-los e envolver-se em casos de corrupção, o mesmo ocorre com os juízes, e, em se tratando dos órgãos policiais, não é preciso dizer coisa alguma. O noticiário cotidiano mostra como policiais – civis e militares – integram grupos de bandoleiros e, em nome desses interesses de quadrilha, matam, muitas vezes impunemente.

Esses argumentos não teriam de ser relembrados, se uma Comissão Especial da Câmara não houvesse aprovado, por 14 votos a 2, proposta de emenda constitucional que retira do Ministério Público o poder de investigação. O projeto estapafúrdio é de um parlamentar obscuro, o delegado de polícia Lourival Mendes, do inexpressivo PTdoB do Maranhão. Dois parlamentares – um deles Santana de Vasconcelos, do PR de Minas, e o outro, Fábio Trad, do PMDB do Mato Grosso do Sul, tentaram amenizar o projeto, mantendo a presença subsidiária do MP nas investigações – mas foram vencidos. O lobby corporativo dos delegados de polícia encontrou eco na esperança de impunidade de parcela do Parlamento. A sociedade deve mobilizar-se contra esse conúbio.
O Brasil está caminhando para tornar-se um estado policial, como se ainda estivéssemos no regime arbitrário que se encerrou em 1985, com a memorável campanha das ruas. Em um país em que mais de 10.000 pessoas foram mortas em com base em "autos de resistência à prisão" nos últimos anos, e já se discute o controle externo do judiciário, a polícia não pode ficar sem controle, seja do executivo, seja do MP, até mesmo para combater a corrupção e a tortura. Como ponderava o romano Juvenal em sua pergunta clássica, quis custodiet ipsos custodes, quem policiará a polícia?

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Imprensa ................


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013



PRIVATIZAÇÃO do INFERNO, como gostam os liberais!


Sempre que ocorrem tragédias como a que se abateu sobre Santa Maria (RS), parece que a sociedade descobre “de repente” problema que é antigo e para o qual, apesar dos precedentes, nunca ninguém jamais deu bola. Isso, porém, só ocorre porque tantas outras tragédias coletivas, oriundas de uma conjunção de fatores perversos, terminaram no ostracismo.
No entanto, estamos carecas de saber que tragédias como o incêndio na boate “Kiss”, na aprazível cidade gaúcha, são possibilidades vigentes em quaisquer espaços, abertos ou fechados, nos quais  grandes contingentes de pessoas se aglomeram.
Em 2004, em Assunção, no Paraguai, ocorreu um número parecido de vítimas em incêndio no supermercado Ycuá Bolaños. E as semelhanças não param no número de vítimas. Em maioria, as vítimas paraguaias morreram pela mesma causa que as gaúchas: asfixia.
O supermercado tinha três andares e um complexo comercial com restaurantes, escritórios e estacionamento subterrâneo. Houve explosões no primeiro andar. Como em Santa Maria, o pânico também tomou conta das pessoas. Os seguranças do supermercado, assim como se suspeita que possam ter feito os seus equivalentes gaúchos, fecharam as portas para evitar que as pessoas saíssem sem pagar.
A tragédia paraguaia foi um pouco maior do que a gaúcha. O relatório final das autoridades paraguaias confirmou 374 mortos, 9 desaparecidos e quase 500 feridos. A causa seriam instalações defeituosas para condutos de gás inflamável, que explodiu causando o incêndio.
Note, leitor, que se trata de estabelecimentos de naturezas distintas, com prováveis causas distintas, mas que, entre si, guardam uma semelhança fundamental: derivaram da tolerância com a falha, com a assunção de riscos “calculados”, conceito que está por trás da tragédia gaúcha, da paraguaia e de tantas outras por todo o mundo, desde casas noturnas, supermercados, cinemas e teatros  até hospitais, entre tudo mais que pode ser vítima da tolerância com o previsível.
Há, inclusive, epigrama da cultura ocidental que se tornou quase um lugar comum e que explica essa tragédia que ora se abate sobre o Brasil, mas que ocorre com muito mais freqüência do que supomos e com base nos mesmos fenômenos de incompetência e descaso administrativo e organizacional.
O que está na raiz dessas desgraças anunciadas é a inobservância da surrada “Lei de Murphy”, que reza que “Se qualquer coisa puder correr mal, irá correr mal”.
O Murphy que deu nome à teoria, para quem não sabe, é o engenheiro aeroespacial norte-americano Edward A. Murphy. Certa feita, encarregado de conduzir um teste de tolerância à gravidade por seres humanos, viu o experimento falhar devido a sensores que funcionaram mal. Isso ocorreu porque a instalação do equipamento foi feita de forma errada.
Frustrado, Murphy disse a frase que se tornaria célebre adágio: “Se esse cara tem algum modo de cometer um erro, ele o fará”. Dessa frase, decorreu a assertiva de que “Se existe mais de uma maneira de uma tarefa ser executada e alguma dessas maneiras resultar num desastre, certamente será a maneira escolhida por alguém para executá-la”.
E o que foi o desastre de Santa Maria se não uma tarefa mal-executada? A tarefa dos organizadores do evento, das autoridades locais e até da universidade que intermediou sua realização era “cercar” os fatores que poderiam dar errado. Ignoraram, pois, a boa e velha Lei de Murphy.
Nos próximos dias, confirmar-se-ão os absurdos da organização do evento de Santa Maria. O uso de “fogos de artifício” em um ambiente fechado é um absurdo tão grande que, só aí, já bastaria para definir o nível de desprezo por qualquer protocolo de segurança. Como um show tão concorrido (2 mil pessoas) é organizado sem que seus detalhes sejam submetidos à aprovação das autoridades?
Nem vamos falar da insuficiência das saídas de emergência ou dos seguranças que, sem instrumentos para saber o que estava ocorrendo do lado de dentro, possam ter impedido pessoas de sair. Há falhas muito mais óbvias, tais como o forro do ambiente, que, se obedecesse a normas de segurança exigíveis por lei, não pegaria fogo, pois deveria ser de material anti-inflamável.
Logo, portanto, surgirão propostas de novas leis e normas para os estabelecimentos comerciais e demais espaços que atraem grande afluxo de pessoas. Tudo bobagem. Não são necessárias. Regulamentação existe, e muita. O que não existe é cumprimento da regulamentação e, obviamente, fiscalização dessa regulamentação.
Há que refletir, pois, sobre como fazer para que espertalhões parem de correr riscos com a vida alheia ao ignorarem que deixar pontas soltas em questões como normas de segurança é certeza absoluta de que tragédias ocorrerão. E a melhor forma de desestimular esse tipo de mentalidade “empresarial” é punir exemplarmente quem a adota ou facilita.

sábado, 26 de janeiro de 2013

Parabens São Paulo de todas as raças e credos


Boa leitura, e FELIZ ANIVERSÁRIO, SAMPA!!

Do Blog do Rafael Castilho

Inúmeras poesias e canções foram compostas para homenagear as maravilhas das cidades mais bonitas do mundo.
Brilhantes compositores narraram a Bahia de Todos os Santos, tomados de amores pelo luar, os coqueirais, o mar, a preguiça gostosa, as festas sem fim, o orgulho da raça negra, o beijo do beija-flor e a paz de espírito.
E o Rio de Janeiro então? Nem se fala. O êxtase de paixões pela cidade maravilhosa foi transformado em manifestações artísticas e até mesmo um gênero musical foi criado afim de contemplar a overdose de delicias que conquistou o mundo na metade do século vinte. A Bossa Nova cantava baixinho, para o mundo inteiro escutar como viver no Rio era pura poesia.
E assim se faz até hoje, com tantos lindos elogios ao sertão, ao Nordeste, à Amazônia.
No entanto, é muito difícil elogiar São Paulo.
Adoniran narrava a cidade mecânica e insensível que seguia seu ritmo continuo, inevitavelmente em descompasso com com o indivíduo e suas aspirações humanas. O romantismo sendo vencido pela obsessão ao progresso.
O Caetano Veloso bem que tentou, mas logo avisou que “narciso acha feio o que não é espelho”. Narcisista que só ele, compôs uma lindíssima canção reclamando da dura realidade de quem vem de outro sonho feliz de cidade. A delicada primeira frase “Alguma Coisa acontece no meu coração” (seria um enfarte?) logo se converte numa seqüência de queixas que captura muito bem o espírito de quem vive nesta cidade, pois não esconde uma oculta satisfação em ser parte integrante deste desarranjo que é Sampa.
Nos dias de hoje, poucos artistas se atrevem a narrar com tanto interesse e coragem o cotidiano de São Paulo como os “rappers”. O rap se converteu na “genuína” música paulistana. Obviamente, falo “genuína” com todas as aspas do mundo, porque na terra dos mestiços e retirantes, é no mínimo desnecessário e ridículo reivindicar alguma espécie de pureza.
No caso do Rap, mais uma vez a cidade é o cenário das grandes injustiças e do desespero.
Chega a ser curioso e tema de uma próxima análise, que de Adoniran à Mano Brown, os pobres de São Paulo perderam sua ternura.
Com Adoniran Barbosa, a queixa era conformista e a resistência desnecessária. A irreverência era o único manifesto contra os poderosos. Seja no Trem das Onze que demorava a passar, o Despejo na Favela e a Saudosa Maloca derrubados pela especulação imobiliária, ou mesmo a enchente que destruiu os barracões, em que o único recado possível era “Guenta a mão João!”.
Com Mano Brown, os pobres cansaram de esperar a divisão do bolo que nunca veio. A doçura se foi. As injustiças e as desgraças foram demasiadas e prolongadas. A irreverência deu lugar à revolta e a insubordinação.
Será mesmo que não existe amor em SP, conforme pregou o Criolo?
Mas não é somente nas canções em que o paulistano se queixa de sua cidade.
O passatempo preferido de quem vive em São Paulo é reclamar da dura vida que levamos na mais rica e importante cidade da América Latina.
Que São Paulo é a cidade mais importante, é bem provável. Até porque, algum motivo deve haver para que as pessoas se recusem a deixar um lugar que seria tão abjeto pelo estranho medo do esquecimento. De alguma forma, todos aqui se sentem protagonistas e testemunhas oculares de seus tempos históricos.
Mas que São Paulo é a cidade mais rica, apenas desconfiamos. Todo mundo passa o mês fazendo conta pra saber se o ordenado vai alcançar a sobrevivência nesta Cidade cada dia mais cara. Pensando bem, São Paulo deve mesmo ser a cidade mais rica. Só não sabemos certamente para quem ela é mais rica. Se vê muita riqueza por aí, mas como é difícil sobrar algum no bolso no final do mês. Alguém menos insatisfeito com São Paulo deve gozar bem a vida com a grana que escorre entre os nossos dedos.
Quando chega algum feriado, os paulistanos puxam o carro e vão embora para algum lugar que valha a pena mesmo viver. Vão para longe deste inferno insuportável que é São Paulo.
Mas por que voltam?
Não vem com essa que voltam somente para trabalhar e que São Paulo é a única cidade que gera oportunidades profissionais.
Conta outra!
Há gente esperando por décadas uma única oportunidade, mas também não se encoraja em ir embora definitivamente.
Por que, depois de um tempo longe de casa, quando a gente chega à cidade pela Marginal Tietê, respiramos fundo e sorrimos alegremente por estarmos de volta à São Paulo?
Viver nesta cidade é um típico caso de Amor Vagabundo!
A gente fala mal, se ofende, mas basta um tempo longe e começa suplicar por este amor derradeiro.
Prometemos a nós mesmos que vamos largar essa “droga”, mas caímos doidos de amores e saudades.
São Paulo não tem paisagem, mas o visual atormentador deste monte de concreto amontoado é a moldura de nossas vidas.
Em São Paulo não se sabe o nome dos vizinhos e ninguém fala com ninguém. É uma frieza só. Mas depois de um tempo ninguém ousa abrir mão da deliciosa conveniência que é o anonimato. Tem coisa melhor do que fazer todas as bobagens possíveis e no outro dia ninguém lembrar que você existe, livre de um torturante e definitivo estígma?
Não é adorável quando ninguém pergunta o seu sobrenome para saber a qual família “tradicional” você pertence?
Comer uma esfiha de 1 Real e ser tratado dignamente pelo garçom, sem que ele tente adivinhar quem é você e aonde você mora para decidir a maneira como você será servido?
E o conforto de nunca ser o suficientemente esquisito? Basta caminhar pelo Centro ou pela Avenida Paulista para se deparar com uma fauna das mais diferenciadas e se dar conta que sempre haverá alguém mais esquisito que você.
Apesar desta Velhocracia conservadora e mal humorada, aqui estamos nós, tentando viver da maneira menos ordinária possível.
Se São Paulo é caótica, dentro do peito da gente tudo é caos também.
Nem sempre se ama da maneira mais bem comportada possível.
As vezes os amores são contraditórios e desavergonhados.
Amores infiéis e estúpidos.
Amores concretos e obscuros.
Amores cheios de saliva, suor, fluídos, combustíveis, fumaça, álcool, fuligem e monóxido de carbono.
Os amores nem sempre são ordenados e disciplinados.
As vezes os amores nos envergonham.
Amores que nos tornam impotentes.
Amores injustos.
Amores que revelam na nossa fraquezas as nossas maiores fortalezas.
Alguns amores nos fazem dar tudo de nós. Nos deixam endividados, sem grana até para o busão.
As vezes a gente ama mas só pode mesmo oferecer o amor, porque não dá para pagar uma pizza na Mooca, um pastel na feira, um Sunday do Mc Donald’s, um mixto na padoca ou um pernil no Estadão.
Alguns amores nos trazem a sorte grande.
A repentina percepção que o acaso se deu conta da nossa imperceptível existência entre mais de uma dezena de milhões de seres humanos.
O fato é que nem todos os amores são contos de fada.
Por isso mesmo, nem todos os amores são contemplativos.
E São Paulo é um destes amores vagabundos e caóticos.
Como em todos os amores, não existe uma receita comum para lidar.
A gente vive e pronto.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Cadaver insepulto


Leandro Fortes: PSDB vive o momento mais lamentável da sua história

janeiro 25th, 2013 by mariafro
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NOTA DE FALECIMENTO
Por Leandro Fortes (CartaCapital)
A reação formal do PSDB ao pronunciamento da presidenta Dilma Rousseff sobre a redução nos preços das tarifas de energia elétrica, em todo o país, é o momento mais lamentável do processo de ruptura histórica dos tucanos desde a fundação do partido, em junho de 1988.
A nota, assinada pelo presidente da sigla, deputado Sérgio Guerra, de Pernambuco, não vale sequer ser considerada pelo que contém, mas pelo que significa. Trata-se de um amontoado de ilações primárias baseadas quase que exclusivamente no ressentimento político e no desespero antecipado pelos danos eleitorais inevitáveis por conta da inacreditável opção por combater uma medida que vai aliviar o orçamento da população e estimular o setor produtivo nacional.
Neste aspecto, o deputado Guerra, despachante contumaz dessas virulentas notas oficiais do PSDB, apenas personaliza o ambiente de decadência instalado na oposição, para o qual contribuem lideranças do quilate do senador Agripino Maia, presidente do DEM, e o deputado Roberto Freire, do PPS. Sobre Maia, expoente de uma das mais tristes oligarquias políticas nordestinas, não é preciso dizer muito. É uma dessas tristes figuras gestadas na ditadura militar que sobreviveram às mudanças de ventos pulando de conchavo em conchavo, no melhor estilo sarneysista. Freire, ex-PCB, tansformou a si mesmo e ao PPS num simulacro cuja fachada política serve apenas de linha auxiliar ao pior da direita brasileira.
O PSDB surgiu como dissidência do PMDB que já na Assembleia Constituinte de 1986 caminhava para se tornar nisto que aí está, um conglomerado de políticos paroquiais vinculados a interesses difusos cujo protagonismo reside no volume, a despeito da qualidade de muitos que lá estão. A revoada dos tucanos parecia ser uma lufada de ar puro na prematuramente intoxicada Nova República de José Sarney. À frente do processo, um grande político brasileiro, Mário Covas, que não deixou herdeiros no partido. De certa forma, aquele PSDB nascido sob o signo da social democracia europeia, morreu junto com Covas, em 2001. Restaram espectros do nível de José Serra, Geraldo Alckmin e Álvaro Dias.
Aliás, o sonho tucano só não morreu próximo ao nascedouro, em 1992, porque Covas impediu, sabiamente, que o PSDB se agregasse ao moribundo governo de Fernando Collor de Mello, às vésperas do processo de impeachment. A mídia, em geral, nunca toca nesse assunto, mas foi o bom senso de Covas que barrou o movimento desastrado liderado por Fernando Henrique Cardoso, que pretendia jogar o PSDB na fossa sanitária do governo Collor em troca de assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores. FHC, mais tarde chanceler e ministro da Fazenda de Itamar Franco, e presidente da República por dois mandatos, nunca teria chegado a subprefeito de Higienópolis se Covas não o tivesse impedido de aderir a Collor.
Fala-se muito da extinção do DEM, apesar do suspiro do carlismo em Salvador, mas essa agremiação dita “democrata” é um cadáver insepulto há muito tempo, sobre o qual se debruçam uns poucos reacionários leais. É no PSDB que as forças de direita e os conservadores em geral apostam suas fichas: há quadros melhores e, apesar de ser uma força política decadente, ainda se mantém firme em dois dos mais importantes estados da federação, São Paulo e Minas Gerais.
E é justamente por isso que a nota de Sérgio Guerra, um texto que parece ter sido escrito por um adolescente do ensino médio em pleno ataque hormonal de rebeldia, é, antes de tudo, um documento emblemático sobre o desespero político do PSDB e, por extensão, das forças de oposição.
Essas mesmas forcas que acreditam na fantasia pura e simples do antipetismo, do antilulismo e em outros venenos que a mídia lhes dá como antídoto ao obsoletismo em que vivem, sem perceber que o mundo se estende muito além das vontades dos jornalões e da opinião de penas de aluguel que, na ânsia de reproduzir os humores do patrão, revelam apenas o inacreditável grau de descolamento da realidade em que vivem

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Fantástico. Emocionante.


Cartas de Yokohama

DO SUSTO AO VER O CHELSEA PASSEAR CONTRA O MONTERREY À EMOÇÃO SENTIDA NA PALESTRA DO TÉCNICO TITE.
OS DIAS QUE ANTECEDERAM A MAIOR CONQUISTA DA HISTÓRIA DO CORINTHIANS NARRADOS PELO ZAGUEIRO CORINTIANO.
Por PAULO ANDRÉ*
Foto: Fernando Roberto
QUINTA-FEIRA, 13/12, 18h 
Chegamos ao hotel Sheraton, em Yokohama, e fomos direto a um espaço exclusivo, instalado no 4° andar, onde fizemos, a partir de então, todas as nossas refeições. A comida, que era preparada magistralmente pelo chef Jaime – cozinheiro oficial da CBF que nos acompanhou nessa viagem – já estava pronta e a Cris, nossa nutricionista, supervisionava todos os detalhes da mesa e fornecia comprimidos com suplementação específica para cada jogador.
Eu estava cansado porque não havia conseguido dormir bem na noite anterior, em Nagoia, depois do difícil segundo tempo contra os egípcios do Al-Ahly. Apesar do corpo destruído pelo cansaço, a cabeça estava a mil tentando achar soluções para os nossos problemas. Durante o jantar, fomos informados de que a saída para assistir ao jogo entre Chelsea e Monterrey era às 19h, e o grupo de atletas que queriam ir ao estádio era enorme. Seria uma forma de reconhecer o local, sair um pouco do hotel, ver os adversários com os próprios olhos. Tudo isso poderia ajudar em nossa preparação, mas, durante o jantar, o Martínez e o Guerrero, que dividiam a mesa comigo, me convenceram a ficar no hotel. Disseram que poderíamos conversar durante o jogo, tranquilos e sem passar frio. Eu estava curioso para ver o Chelsea, mas o cansaço de nossa partida contra o Al-Ahly e a viagem de trem que havíamos acabado de fazer pesaram. Resolvi ficar e, ao entrar no meu quarto e esticar o corpo em cima da cama, percebi que tinha feito a escolha certa. Olhei para o relógio, já eram 19h30 e eu nem tinha me mexido, ainda. Estava no meu quarto, sozinho, e resolvi ficar por ali mesmo.
Já nos primeiros minutos ficaram evidentes o domínio e a facilidade com que os ingleses comandavam a partida. Perdi o sono e comecei a prestar mais atenção na maneira como faziam aquilo. Para falar a verdade, comecei a ficar preocupado com o que estava por vir. Pela TV, parecia que eles estavam um nível acima do nosso, algo mais poderoso do que havíamos enfrentado até então. Não conseguia entender por que os jogadores do Monterrey não agrediam a marcação, não eram agudos quando roubavam a bola, e, pior, perdiam todas as divididas. Quando levavam a bola para um dos lados do campo, não conseguiam trocar quatro passes sem que o Chelsea a roubasse novamente. O time inglês era compacto, forte e veloz e a impressão que eu tive foi a de que eles nem precisaram pisar fundo no acelerador para vencer a partida.
Assim que acabou o jogo, às 21h30 do horário local, eu capotei. Acordei às 7h30 do dia seguinte, curiosamente a minha melhor noite de sono desde a chegada ao Japão.
SEXTA-FEIRA, 14/12, 8h
Desci para o café e fui averiguar como foram as impressões de quem havia acompanhado o jogo in loco. “Estádio grande”; “o campo é um pouco maior que o anterior”; “não estava tão frio”; “um jogo bom”. Senti algo estranho no ar. As informações eram superficiais, ninguém falou que o time dos caras era bom ou que o jogo seria difícil. Parecia que ninguém queria assumir os sentimentos que aquele passeio dado pelo Chelsea resultou em nossa mente.
Só quando o Felipe, zagueiro e meu companheiro de quarto, acordou é que pude arrancar as reais impressões e reações daqueles que foram ao jogo. Em resumo, ele disse que ficou surpreso e assustado com a qualidade do nosso adversário na final. Exatamente como eu, pensei. Ninguém assumiu o medo e a insegurança gerados a partir dali, mas, no semblante, todos demonstravam preocupação.
No final da manhã, fui ao quarto do Bruno Mazzioti, fisioterapeuta, para o tratamento de manutenção dos meus joelhos. A “sala de fisioterapia” era um quarto normal no 11° andar. Naquele espaço havia duas camas, vários aparelhos e instrumentos de atendimento. Estirados sobre as camas estavam Douglas, com uma dor no adutor, e Fábio Santos, reclamando do músculo posterior da coxa. Sem opções, puxei uma cadeira, estiquei a perna por cima da cama e comecei a receber tratamento no tendão. De repente, o Fábio me olha e solta: “Nós vamos ganhar, Paulo?”. Aquela pergunta trouxe à tona tudo o que eu havia visto e sentido pela TV. Eu tinha ficado impressionado com a qualidade do Chelsea e sabia que não era o único a ter tido aquelas impressões, mas estava numa posição delicada, perigosa. O que eu dissesse poderia mudar a cabeça de dois jogadores muito importantes na nossa equipe. Eu não podia ser indiferente, não podia dizer que sim ou que não. Precisava compartilhar o que eu estava sentindo e minha resposta deveria ser suficientemente verdadeira para convencer aqueles dois companheiros de que a luta valeria a pena na batalha que estava por vir. E então saiu: “Só ganharemos se tivermos coragem, Fábio. Coragem para assumir riscos, fazer passes quando a vontade é dar chutão e afastar o perigo. Não podemos deixá-los com a bola nos pés o tempo todo. Temos que cutucá-los com força, chegar à frente e, sem dúvida, pressioná-los no campo deles quando a vontade for ficar esperando, para não errar e abrir espaço. Se fizermos isso, formos pra cima, teremos grandes chances”.
“Então acho que vamos ganhar”, rebateu Fábio. Meio que sem querer, a conversa mudou de rumo e seguiu num tom ameno e divertido, sem o peso que estávamos carregando nos ombros. O Fábio relembrou a história do Edenílson, que em Nagoia, dias atrás, havia sido questionado pelo Guilherme Torres, que olhava atônito pela janela do quarto: “É neve, Edenílson?”. “Não, não, são pernilongos albinos”.
Na hora do almoço, fui informado de que daria, ao lado do Guerrero, a entrevista coletiva. Apesar de estar acostumado comas entrevistas, daquela vez foi diferente. Havia dezenas de câmeras e jornalistas do mundo inteiro. O ambiente estava uma loucura e eu sabia que minhas palavras poderiam repercutir no mundo todo. Comecei falando de nossa vontade de vencer, dei algumas impressões sobre jogadores da equipe inglesa e como trabalharíamos isso na final. “Como parar o Chelsea?”, alguém perguntou. Não sei por que,mas veio à minha cabeça o jogo contra o Santos pela semifinal da Libertadores, quando conseguimos parar o Neymar. Segui essa linha de raciocínio porque era o que precisava ser feito para termos alguma chance na final. Só que para colocar a teoria em prática teríamos uma distância muito grande a percorrer.
No final da tarde, saímos para treinar. O clima continuava tenso. Fomos para uma sala, ao lado do campo, que foi usada como vestiário para que passássemos ataduras, pomadas e fizéssemos um aquecimento prévio. Antes, paramos para um cafezinho, enquanto a caixa de som do Sheik tentava dar um ar descontraído ao ambiente, que tinha Paulinho e Julio Cesar colocando apelidos nos mais novos, Romarinho e Guerrero atirando qualquer coisa que voasse na cabeça dos que estivessem por perto, e a velha guarda, Chicão, Alessandro e Danilo, esticando as juntas e iniciando o alongamento.
Surpreendendo a todos, Tite entrou e pediu para alinharmos as cadeiras em círculo, de forma que ele pudesse falar. Aquela seria a primeira vez que ele faria um discurso desde o jogo contra o Al-Ahly, havia dois dias. Ele começou dizendo que entendia como era difícil ter toda a responsabilidade do mundo sobre os ombros. Não analisou friamente o primeiro jogo, mas se colocou na nossa pele e entendeu o que nos fez recuar e permanecer acuados enquanto o time egípcio trocava passes em frente à nossa defesa. Em vez de “dar uma dura”, ele estava do nosso lado, mostrando-se compreensivo e, principalmente, um leitor perfeito dos nossos sentimentos naquele jogo. Então ele se aproximou de nós, repetindo que também sentiu pressão, demonstrando que ele também é humano, passível do peso da responsabilidade, o que nos fez muito bem. De repente, ele parou. Aumentou a respiração, chegou a ficar ofegante. Mudou as feições. Sua pele começou a enrubescer. Lentamente, ele olhou no olho da cada um. Girou o corpo até dar a volta completa e gritou: “Vocês vão olhar no olho dos caras, vocês vão dentro deles”. Seus olhos começaram a marejar. Naquele momento, a emoção tomou conta da sala e a vontade era de que o jogo começasse ali. Estávamos prontos para a guerra. Eu não sei como, mas as dúvidas se transformaram em certezas, o frio na barriga se transformou em coragem e uma sensação de conforto me invadiu. Ele dizia, no gauchês: “Nós vamos a morrer, até o fim. Não vamos parar, não vamos desistir. Eu quero e trabalhei a vida inteira para chegar aqui, alcançar o meu sonho, disputar essa final. Nós não vamos fazer como o outro time. Nós não vamos demorar 50 minutos para dar uma chegada em alguém. Eu não quero saber quem está do outro lado, eu quero competição, com lealdade, mas vamos dentro dos caras. Só precisamos repetir tudo aquilo que nos trouxe até aqui. Da mesma forma. Não vamos mudar nada, vamos jogar muito e vamos merecer vencer. Ao trabalho”, disse, apontando para o campo e terminando sua palestra.
SÁBADO, 15/12, 12h
Durante o almoço, o Fabio Carille, auxiliar do Tite, passou de mesa em mesa procurando os seis jogadores que compunham o sistema defensivo. Alessandro, Chicão, eu, Fabio Santos, Ralf e Paulinho fomos convidados para uma reunião que aconteceria dali 15 minutos. Nosso encontro foi, mais uma vez, no quarto da fisioterapia. Como quadro-negro em forma de campo e uma caneta esferográfica na mão, Tite começou: “Eu quero informar vocês que já conversei com o Douglas e quem vai jogar no lugar dele será o Jorge Henrique. Nós precisamos de mais velocidade nas beiradas, precisamos acelerar tanto a transição defensiva para ofensiva como a transição ofensiva/defensiva. O Jorge vai fazer a função que fez contra o Santos, na semifinal da Libertadores. (Nessa hora, pensei: Foi tudo o que falei para a imprensa ontem. Sem querer, entreguei o ouro para o bandido. Será que o Tite está bravo comigo?) Ele vai bloquear o lado esquerdo do adversário, auxiliando o Alessandro na marcação do Hazard e do Ashley Cole”. E prosseguiu: “Se eles vierem com Ramires, Mikel, Hazard, Mata, Oscar e Torres, acontecerá o seguinte: nossas duas válvulas de escape serão Paulinho e Fábio Santos. Por quê? Porque o Mata não fica enfiado na ponta direita, ou seja, teremos que fazer a bola chegar rápido naquele setor para conseguirmos triangular e sair. Se fecharem aquele espaço, o Paulinho vem buscar a bola entre os zagueiros e vai conduzi-la. Pode se mandar, Paulo, eles não vão te acompanhar. Caso contrário, Paulo André e Chicão têm a opção do fundo, com Sheik e Jorge Henrique”.
E foi assim, sentados na cama do quarto, que definimos a tática que seria usada na grande final. Naquela noite, apesar da ansiedade, recebemos um brasileiro, amigo do Felipe, que mora há muito tempo no Japão e vende produtos eletrônicos desbloqueados. Ele foi ao nosso andar no hotel e o corredor virou um espaço para negócios. Jogadores, integrantes da comissão, rouparia e cozinha testavam aparelhos, faziam contas e compravam iPhones, iPads e máquinas fotográficas de todos os tipos.
Fui para o quarto. Estava sem sono e resolvi arrumar a mala. Minha logística era mais complicada, porque eu mandaria algumas coisas de volta para o Brasil pelos companheiros e a outra parte seguiria comigo nas férias, nos Estados Unidos. Enquanto organizava as coisas, percebi que minhas mãos tremiam, não tinham firmeza para manusear as roupas. Não era o frio, mas sim ansiedade e tensão às vésperas do momento mais importante da minha vida. Quando percebi aquilo, sorri. A maturidade me permitiu perceber e aproveitar cada segundo daquela caminhada rumo ao dia D. Senti-me realizado por viver um momento como esse, mesmo que repleto de inseguranças e incertezas, porque estava confiante de que essa preocupação exacerbada não me deixaria falhar. Eu estaria atento demais para cometer um erro bobo, afinal, batalhei por 15 anos da minha vida sonhando disputar uma final como essa. As mãos foram se aquietando e fui relembrando toda a trajetória desse time. As agruras do Campeonato Brasileiro de 2011, com seus momentos trágicos e mágicos; a construção do título da Libertadores, do qual não pude participar; e, agora, um Mundial que estava tão perto e tão longe ao mesmo tempo. O bendito fuso horário finalmente serviu para alguma coisa. Quase que imediatamente após deitar, capotei.
DOMINGO, 16/12,
DIA DA FINAL, 11h40
Descemos para a última reunião do ano. Como de praxe, o primeiro slide da apresentação já estava disponível no telão: “Se você está percorrendo o caminho dos seus sonhos, comprometa-se com ele. Assuma o seu caminho de vitória. Enfrente-o com CORAGEM”. Em voz alta, o Tite leu essas palavras e iniciou seu discurso de motivação. Logo em seguida, passou três ou quatro vídeos curtos com os princípios de jogo e as estratégias que ele jamais nos deixa esquecer – em sua maioria, são nossos próprios exemplos de atitude e estratégia retirados de jogos importantes que fizemos durante todo o ano. Ele sempre bate na tecla de que foram esses esforços que nos conduziram por caminhos de sucesso nos últimos dois anos. Já vimos centenas de vezes os mais de 30 exemplos que ele nos dá, e ele sabe como ninguém evidenciar aquilo que é mais importante e que precisa ser enfatizado. Em seguida, assistimos aos curtos vídeos sobre o Chelsea, onde vimos pontos fortes e fracos. Novamente, pensei comigo mesmo, uma ação cirúrgica da comissão técnica, que conseguiu produzir um material encorajador, por conta da quantidade de falhas que encontramos na equipe inglesa. Nos pontos fracos vimos uma equipe com grande dificuldade na transição defensiva quando sua primeira linha de marcação era ultrapassada. Pelo menos era o que mostrava a maioria dos gols sofridos por eles na Liga dos Campeões e no Campeonato Inglês.
Inconscientemente, ganhamos confiança, sentimos que eles eram de carne e osso. Tite não terminava a palestra e repetia coisas que já havia dito, não para reiterar, mas para espantar seu próprio nervosismo e certificar-se de que havia nos passado tudo. “Frio na barriga”, confessou, quando percebeu o que estava acontecendo.
Por fim, ele nos entregou uma matéria que saíra no site da Fifa naquela manhã, falando sobre a multiplicação do time em campo, a disposição e a solidariedade com que aquela equipe jogava desde a Copa Libertadores. A tarde foi sem fim. A hora não passava. O sono não aparecia e o frio na barriga aumentava.
DOMINGO, 16/12,
SAÍDA PARA O ESTÁDIO, 17h
Finalmente, estávamos todos sentados e posicionados no ônibus que nos levaria ao estádio. Tite chamou o Alessandro, que saiu do penúltimo banco à esquerda e foi ao encontro do treinador. Conversaram baixinho. Alguns segundos depois, desceram as TVs do ônibus e um vídeo começou a ser transmitido. Era mais uma produção da comissão, com a participação de nossos familiares. Cada um dos 23 jogadores estava sendo representado por alguém – mãe, pai, filhos, irmã ou irmão. Até a mãe do Guerrero e o pai do Martínez haviam sido gravados pelo Skype.
Tudo muito emocionante, até que um dos pais começou a chorar, dizendo que o filho merecia estar ali, que era um exemplo e que voltaria campeão do mundo. Ninguém se moveu, todos evitaram olhar para o lado. Não era hora de chorar! A garganta segurou o choro, os olhos se encheram de lágrimas, a vontade de representar nossos familiares aumentou. O corpo todo estava arrepiado quando o vídeo acabou. Uma salva de palmas trouxe a normalidade ao ambiente enquanto uns olhavam de um lado para o outro para ver o tamanho do “estrago” feito por aquela surpresa. Ficou claro que o Tite queria saber a opinião do nosso capitão Alessandro com relação à apresentação, ou não, do vídeo. Emocionar demais os atletas seria bom ou ruim? Foi na medida certa, estávamos prontos para o jogo.
Ao chegarmos ao vestiário, cada um encontrou seu material e a camisa de jogo pendurada no cabide. Eu sentei no meu box, respirei fundo e percebi que não tinha mais para onde correr. Na minha frente estava a maca na qual os enfermeiros e fisioterapeutas trabalhavam em ritmo acelerado. Uma fila se formou naquele lugar.
Cássio foi o primeiro, depois o Chicão, Alessandro e Guerrero. Quatro injeções em menos de três minutos. Lembrei-me das inúmeras injeções que tomei nos últimos anos, a maioria delas para conseguir passar aqueles 90 minutos sem dor. Não precisei disso desta vez, mas estava atento e solidário porque sabia exatamente o tamanho do sofrimento e da dificuldade de cada um deles. Mas uma coisa me chamou a atenção: Cássio saiu de uma maca e foi para outra para que o Bruno Mazziotti mobilizasse seu ombro. Algo que já o vinha incomodando há meses e que, às vezes, ele dizia impedi-lo de levantar o próprio braço. Como eu me lembro de tudo isso? Ainda faltavam 30 minutos para o aquecimento e eu não tinha o que fazer ali dentro. Peguei meu celular e comecei a escrever tudo que estava acontecendo. Foi algo especial que me fez observar o Cássio naquela noite. Sua expressão de dor era nítida, mas tinha um olhar profundo, como quem estava concentrado, visualizando o que estava por vir – se bem que, talvez, nem em seus melhores sonhos ele imaginasse que iria apresentar tamanha perfeição muito em breve. No corredor, aguardando o comissário da Fifa que autoriza a entrada das duas equipes no campo, perfilamos ao lado do time inglês. O Ivanovic, um defensor alto e muito forte, começou a bater no peito como se estivesse pronto para a briga. Confesso não ter me impressionado, mas gostei da tentativa. Ao subir a escadaria que nos levou até o campo, senti uma alegria indescritível. O som do estádio aumentou e a nossa torcida fez uma verdadeira festa, dominando a cena no Yokohama Stadium.
O juiz deu início à partida e, dali para frente, eu pouco consigo lembrar. As imagens devem falar muito mais do que eu poderia escrever. De qualquer forma, quando saímos para o intervalo e caminhamos até o vestiário, o encorajamento e a confiança tinham tomado conta do grupo. Sentamos no chão à espera do Tite, que, antes de passar as instruções, tem o costume de se reunir com três ou quatro membros da comissão para definir o que será passado, em termos de mudança, a nós, jogadores. Enquanto ele não aparecia, individualmente alguns jogadores tomaram a palavra. Alessandro disse que estava ótimo e, se continuássemos assim, ganharíamos. Paulinho repetiu, cobrando ainda mais intensidade. Eu pedi calma, pois teríamos mais espaços para jogar e, se mantivéssemos a marcação, teríamos a bola do jogo nas nossas mãos. E assim foi, de boca em boca, que a confiança explodiu em nossos corações. Após o jogo, eu cheguei à conclusão de que, enquanto chegávamos ao vestiário pensando: “Caramba, dá pra ganhar”, o Chelsea foi para o intervalo pensando: “Caramba, dá pra perder”. E o que se viu no segundo tempo foi exatamente isso. O gol do Guerrero veio coroar um segundo tempo magistral que fizemos. Fábio Santos e Danilo tabelavam pela esquerda como se estivessem na rua de casa. Paulinho se soltou mais e encontrou um buraco no meio-campo inglês. Jorge Henrique estava extenuado e, mesmo assim, não desistiu de nenhum lance. Nós, da defesa, mantivemos a coragem e seguramos a linha de quatro o mais alto possível. Enquanto Alessandro barrava o melhor jogador da equipe londrina, Cássio fazia seus milagres no estádio de Yokohama. Emerson Sheik aproveitou sua malandragem para expulsar o zagueiro adversário e o Ralf corria três vezes mais que qualquer um de nós. Depois, Wallace entrou para segurar a bola aérea e o guerreiro Paolo deu lugar para Martínez.
Quando o juiz decretou o fim do jogo, só consegui dizer: “Campeão do Mundo, Campeão do Mundo, Campeão do Mundo!” A cabeça percorreu o estádio, pensou em cada corintiano que atravessou os continentes e estava ali testemunhando aquela noite inesquecível. Procurei meu pai e meu irmão por duas voltas olímpicas, mas não os encontrei. Só abraçaria os dois loucos lá de casa no dia seguinte, no café da manhã. Dei algumas entrevistas. O sorriso não saía do rosto.
Voltamos ao hotel. Tomamos champanhe, cerveja, refrigerante e comemos, pela primeira vez em 15 dias no Japão, a verdadeira comida japonesa, com sushi e sashimi à vontade. Depois da celebração com toda a comissão e funcionários, subimos aos quartos para arrumar as malas. Fábio Santos, Douglas, Sheik, William Arão, Bruno Mazzioti, Edu Gaspar (gerente de futebol), Cleber (auxiliar do Tite), Duílio Monteiro Alves (diretor-adjunto de futebol), Roberto Andrade (diretor de futebol) e eu sentamos no chão do corredor do hotel e, como bons amigos de uma jornada incrível, começamos a conversar sobre toda a nossa caminhada até ali. Outros jogadores foram se aconchegando e o papo não teve fim. Ficamos até as 6h da manhã dividindo histórias e rindo da vida. Lembranças, amigos e sentimentos que jamais deixarão o meu coração e a minha mente. Somos campeões do mundo! Mas esse mesmo coração já começa a vislumbrar 2013 e quer voltar a bater acelerado com novas conquistas e grandes histórias. Quem sabe não voltarei aqui para contá-las?
Foto:AFP
*Texto escrito originalmente para a revista da ESPN.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

TERRORISMO com as "elétricas"


Faca na boca contra o desenvolvimento


O empenho das manchetes alarmistas em equiparar o horizonte elétrico atual ao desastre construído pelo tucanato no apagão de 2001 é compreensível. 

Aquele foi o episódio-síntese de um erro histórico clamoroso ungido em doutrina política pelo PSDB e assemelhados. 

Seu nome é dissociação entre Estado e agenda do desenvolvimento .

Doze anos e um colapso mundial do capitalismo desregulado se passaram. 
Inútil. 

Diga planejamento público da economia. Ou comando estatal do crescimento. Um exército tucano sairá em revoada de faca na boca.

Estão na praça, de novo, desbastando pescoços e goelas para abrir caminho ao Adam Smith das gerais.

O apagão de 2001 machuca e atrapalha esse labor: o iluminismo tropical colonizado pelos livres mercados revelou-se então puro obscurantismo conservador. 

Uma contradição nos seus próprios termos dói mais que pancada.

Prescindir do planejamento estatal na área de energia é algo só concebível em uma época em que a mentalidade política foi esfericamente colonizada pelo espírito imediatista e predador dos ditos mercados autossuficientes. 

O dispositivo midiático e o PSDB foram os sujeitos históricos dessa aventura no Brasil. 

Livre da mão pesada do 'intervencionismo' estatal,os mercados alocariam os investimentos da forma mais eficiente, ao menor custo e da maneira mais rápida possível. Era a promessa.

Em meados de maio de 2001, esse conto de fadas midiático-ortodoxo havia cavado uma diferença de robustos 20% entre a oferta e a demanda de eletricidade no mercado nacional.

Um período de chuvas de baixa pluviosidade pôs a nu a fraude.

O país se viu diante de uma contabilidade crítica: duas horas de apagão para cada dez de consumo. 

Colosso.

O governo Dilma, ao contrário, projeta uma queda de 20% no custo da tarifa elétrica impondo às concessionárias corte de preços proporcionais ao valor dos investimentos amortizados.

A relação antagônica entre os 20% do PSDB e os 20% de Dilma é intolerável numa disputa sangrenta como promete ser a de 2014.

A necessidade de criar uma vacina ao 'apagão' emplumado explica o empenho das manchetes nos dias que correm. 

Exemplos desta terça-feira, 08-01:

'Grandes indústrias já planejam racionar energia' (Globo); 'Falta de chuvas pode tolher 5 pontos do desconto na energia' (Valor);'Governo já vê risco de racionamento de energia' (Estadão)

Fatos:

a) os reservatórios do sistema hidrelétrico nacional realmente encontram-se em níveis críticos. Próximos ou até um pouco abaixo dos níveis registrados nos anos de 2000 e 2001, quando o governo tucano acordou de seu sonho mercadista, sem contrapesos de planejamento para enfrentar a escassez;

b) sábios que voltaram a borrifar seu 'iluminismo' peculiar contra os 'obscurantistas estatizantes' haviam contratado uma escuridão estrutural em pleno século 21; 

c) o apagão tucano custou 3 pontos do PIB; mais um salário mínimo per capita em impostos emergenciais adicionados à conta de luz de cada brasileiro. Investimentos foram engavetados. O desemprego em São Paulo, em abril do ano seguinte, bateu em 20,4% (no auge da Depressão nos EUA, em 1937, chegou a 27%);

d) justiça seja feita: foi apenas o tiro de misericórdia numa economia já desidratada pela ortodoxia monetária, asfixiada pelo endividamento interno e externo, escalpelada pela fuga de capitais. O oposto do que ocorre hoje;

e) entre 2001 e 2012 a capacidade instalada de geração de energia no Brasil cresceu 75%;

f) o estoque de emergência formado por termelétricas aumentou 150% no mesmo período; 

g) a capacidade de realocação de energia entre as regiões (os linhões de integração do sistema), cresceu 68%;

h) em setembro de 2011, a Presidenta sintetizou a guinada indo à jugular do iluminismo às avessas: "Tivemos que reconstruir esse setor"; 

i) a reconstrução inclui um Plano Decenal que prevê 71 novas usinas até 2017, com potencial de geração de 29.000 MW ( o equivalente a duas Itaipus). 

Em resumo: encerrou-se o hiato de três décadas sem o planejamento público de grandes obras no país. 

O êxito desse resgate --o comando de Estado sobre um setor estratégico-- vitaminado ademais por um redução no custo tarifário, é incompatível com os planos do conservadorismo para 2014.

O próprio FHC tem advertido aos mais entusiasmados com a aliança entre togas & tucanos. 

Não adianta ganhar na narrativa midiática se o 'povão', a gente diferenciada, como dizem seus vizinhos de Higienópolis, 'percebe' avanços sociais e econômicos como conquistas carimbadas com o selo de Lula e Dilma.

É indispensável desautorizar o modelo que lastreia esse sentimento.
É crucial provar que o comando de Estado sobre os mercados é ineficiente. 

Se possível, desastroso.

Será preciso chover muito para afogar essa sede incontida. Do contrário, as manchetes prosseguirão na faina de antecipar o colapso --' que só não foi hoje porque virá amanhã'.

Uma última observação:

o dispositivo midiático conservador está tão entretido nessa labuta, que descuidou dos destaques internacionais deste início de semana. 

Compare-se, por exemplo, o espaço destinado à grita gerada pelo ajuste contábil nas contas fiscais de 2012, com o tratamento respeitoso dispensado a outro arranjo ,mutatis mutandis, este sim temerário e escandaloso. 

O prazo para o sistema bancário mundial lastrear empréstimos em ativos de qualidade superior à montanha tóxica esfarelada com a ordem neoliberal, foi protelado por mais quatro anos.

Só deve vigorar plenamente em 2019. Ou seja, 11 anos depois de iniciada a crise decorrente justamente dessa falta de cobertura. 

Originalmente, a banca deveria ingressar em 2015 já municiada de "ativos líquidos de alta qualidade" para enfrentar 30 dias de crise. 

Isto é, para não exigir que os cofres estatais e os fundos públicos tenham que ser drenados outra vez na salvação de banqueiros irresponsáveis e rentistas gulosos.

A torre de vigia do orçamento fiscal brasileiro, formada como se sabe por argutos jornalistas do ramo, não expressou sua indignação diante da manobra contábil, que mantém o sistema financeiro global vulnerável por mais sete longos anos.

Não se diga que o legado da desordem financeira justifique o comedimento.

A taxa de desemprego nos 17 países da zona do euro atingiu um novo recorde: foi a quase 12% no final de 2012. 

Ao todo, 26 milhões de pessoas estão sem trabalho na União Europeia. A taxa vai a 24,4% entre os jovens.

Na Espanha direitista e zelosa da ortodoxia que gerou a crise, o desastre atinge seu cume: 26,6% dos espanhóis vivem à deriva sem trabalho.

Tudo em nome da austeridade fiscal, cujo padrão os sabichões tucanos reclamam de volta para o Brasil. (Leia a análise de Paul Krugman sobre o tema fiscal nesta pág.)

Afrontá-los não implica, naturalmente, aderir a uma leitura rasteira do keynesianismo, nivelando-o a um vale tudo fiscal.

Trata-se, porém, de rejeitar no plano financeiro, também, a dissociação entre Estado e desenvolvimento, cujo equívoco ficou escancarado no episódio do apagão tucano.

Quando a sirene ortodoxa faz soar o seu apito porque o Brasil não cumpriu a meta cheia do superávit em 2012 --e o governo acode em atendê-la contabilmente-- é o subtexto desse interdito que está gritando a sua saturação também. 

Constituir um Estado democrático que detenha igualmente a iniciativa histórica no plano financeiro é um dos desafios da agenda do desenvolvimento pós-2008.

Em seu artigo desta 3ª feira no jornal Valor, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo dá uma pista de como esse degrau pode ser vencido: 

"A estratégia chinesa inclui um forte controle e direcionamento do crédito, cuja oferta está concentrada nos cinco grandes bancos públicos. Depois da crise de 2007/08, a relação crédito/PIB avançou de 200% para 250% (NR no Brasil é da ordem de 51%). Os principais tomadores foram as empresas públicas, privadas e semi-públicas dedicadas à execução dos grandes projetos de infraestrutura, sobretudo ferrovias de alta velocidade e infraestrutura urbana com atenção especial para o transporte coletivo".
Postado por Saul Leblon às 20:52