domingo, 25 de outubro de 2015

Uma mudança decisiva no equilíbrio de poder Putin, sem recorrer a nenhuma ameaça verbal ou xingamentos, mudou decisivamente o equilíbrio de poder, e o mundo sabe disso.

Paul Craig Roberts, do CounterPunch
reprodução
O mundo começa a notar a mudança profunda para a geopolítica que representou o discurso de Vladimir Putin na ONU, no dia 28 de setembro, quando o presidente russo declarou que a Rússia não pode mais tolerar a política externa perigosa, estúpida e falida de Washington, que desencadeou o caos que engoliu o Oriente Médio e agora começa a tomar a Europa. Dois dias depois, a Rússia assumiu o controle militar na Síria e deu início à destruição das forças do Estado islâmico.
 
Entre os assessores de Obama, talvez ainda haja alguns que não tenham sido totalmente cegados pela arrogância e possam compreender a mudança em curso. A agência russa de notícias Sputnik afirmou que alguns dos conselheiros do presidente americano especialistas em segurança aconselharam-no a retirar as forças militares americanas da Síria e desistir de derrubar Assad. Eles sugeriram uma cooperaração com a Rússia, a fim de parar o fluxo de refugiados que hoje sobrecarrega os países vassalos de Washington na Europa. A chegada em massa de pessoas indesejadas está fazendo os europeus se darem conta do alto preço do apoio à política externa americana. Os conselheiros mostraram a Obama que as estúpidas políticas dos neoconservadores estariam ameaçando o império de Washington na Europa.
 
Analistas como Mike Whitney e Stephen Lendman concluiram, corretamente, que Washington está de mãos atadas no que diz respeito à estretégia russa contra o Estado Islâmico. O plano dos neoconservadores de que a ONU decrete uma zona de exclusão aérea sobre a Síria, a fim de expulsar os russos, não passa de delírio. A ONU nunca aprovará tal resolução. Na realidade, os russos já estabeleceram uma zona de exclusão aérea de fato.
 
Putin, sem recorrer a nenhuma ameaça verbal ou xingamentos, mudou decisivamente o equilíbrio de poder, e o mundo sabe disso.
 
A resposta de Washington consiste em xingamentos, bravatas e mais mentiras, algumas das quais ecoadas por alguns dos cada vez mais trôpegos vassalos de Washington. O único resultado tem sido evidenciar a impotência de Washington.
 
Se Obama tiver alguma consciência, vai dispensar os idiotas neoconservadores que dilapidaram o poder de Washington, e se concentrar em, junto com a Europa, trabalhar ao lado da Rússia para destruir – ao invés de patrocinar – o terrorismo no Oriente Médio, por trás da crise dos refugiados na Europa.
 
Mas se Obama não puder admitir um erro, os Estados Unidos continuarão a perder credibilidade e prestígio em todo o mundo.
 
Paul Craig Roberts foi secretário-assistente do Tesouro americano e editor associado do Wall Street Journal. Roberts é autor dos livros How the Economy Was Lost e How America Was Lost
 
Tradução de Clarisse Meireles 

22/10/2015 - Copyleft Rússia destrói o sonho de Israel O que é mais frustrante pra Israel é que eles não podem chantagear, coagir ou comprar o governo de Putin.

http://www.informationclearinghouse.info/
Israeli Embassy in Russia
O plano corria bem. O conceito de guerras intermináveis para uma Grande Israel funcionava e produzia resultados impressionantes. De modo oportuno, com o agravamento de guerra após guerra, fatia por fatia de território árabe era usurpada e o mapa de Israel pouco a pouco se materializava. Pouco importa a instabilidade e o caos que cercam o Estado israelense pelas últimas sete décadas. Pouco importa a incansável resistência palestina e as violentas intifadas que irrompem internamente. O sonho sionista da Grande Israel persistia consistente e progredia sem grandes obstáculos.
 
Mas é da natureza do sonho que possa ser abruptamente interrompido - e facilmente transformado em um pesadelo. De fato, um piscar de olhos pode ser o bastante. 
 
Ninguém esperava que o sonho sionista fosse detido de modo tão repentino. Ninguém esperava que a Rússia se impusesse militarmente na região do Levante e, no processo, convertesse o sonho sionista em um pesadelo geopolítico e existencial. Agora, nenhuma expansão territorial é ao menos remotamente possível com a presença das tropas russas no Levante. E os israelenses sabem que os russos chegaram para ficar. 
 
A Rússia não é um inimigo declarado de Israel. Não foi propositalmente que os russos esmagaram o sonho sionista, mas consequência de uma posição que serve aos interesses regionais e globais da Rússia. Acontece que o sonho sionista estava no caminho das ambições russas. Simples assim. 
 
Mas, afinal, quais são os interesses russos em enlaçar o Levante?
 
Bom, em primeiro lugar, Putin pretende reabastecer a velha pretensão russa de estabilizar bases militares nas “águas mornas” do mundo, mais precisamente no Mediterrâneo, a fim de projetar seu poder e influência em direção ao ocidente com maior facilidade. Além, é claro, de estabelecer bases navais no mediterrâneo enquanto uma primeira linha de defesa contra o avanço das potências à oeste. A crescente presença militar dos russos na Síria é uma questão de “segurança nacional”, como Putin já declarou inúmeras vezes. A consolidação de multiplas bases no mediterrâneo não é possível desde a Guerra dos 6 dias (1967), quando perdeu a disputa pelo Oriente-Médio contra os EUA, simbolizada pela derrocada do Egito, zona de influência dos soviéticos naquele momento cuja estrutura militar foi devastada pela investida israelense. Investida, é óbvio, carregada com armamentos norte-americanos.
 
Hoje a Rússia compreende seu avanço sobre a Síria enquanto manobra geopolítica vital para restabelecer seu poderio no Oriente-Médio e novamente se consolidar como superpotência. Diante do caos no Levante, a ambição russa precisa ser implementada imediatamente, antes que a região caia nas garras do Estado Islâmico ou do sionismo.
 
Em segundo lugar, Putin observa a influência do Império Americano claramente se esvair, especialmente no Oriente Médio, e está tirando proveito disso: colocando em andamento sua proposição desafiadora aos EUA. Sim, Vladimir Putin, o presidente da Rússia conhecido pelo sangue-frio e pelo realismo, está tão ciente das fraquezas americanas quanto das potencialidades russas. (...) “Veja bem, você continua extremamente poderoso, mas está sangrando no Oriente-Médio e o estado agora ficou crítico. Você não pode arcar com um novo conflito em larga escala por aqui sem a garantia de reafirmar vitoriosamente sua dominação. E você também foi rebaixado em todas as últimas guerras na região - você ficou sem cartas na manga. Você não pode seguir por esse caminho desvantajoso, não pode ficar parado e tampouco pode retirar-se da região. Todas essas são opções estratégicamente inferiores e você vai continuar sangrando seu poder. Sua única alternativa é o pragmatismo. A única solução é dividir seu controle sobre o Oriente-Médio conosco, os russos. Nós já compartilhamos influência sobre a região durante a Guerra-Fria e, sim, isso gerou perigos e complexidades para ambos os países no passado. Mas hoje é diferente: não há Guerra Fria entre nós e nossa nova parceria pode apenas nos fortalecer”. 
 
Esse, caro leitor, é o pronunciamento diplomático da Rússia, recebido com grande alívio pela Casa Branca e desprezado pelos sionistas em Washington. Resumindo: Putin está na Síria e seu recado realista pros EUA é: “Compartilhem o Oriente-Médio conosco agora ou ambos cairemos no futuro”. E parece que o Obama silenciosamente captou a mensagem, de acordo com o interesse do Império e em nome do realismo, não por covardice ou submissão a Putin. O problema do Obama é que, embora concorde relutantemente com a posição do Putin, não pode respaldá-la em público, pois nesse caso os neoconservadores soltariam os cães da traição sobre ele, obstruindo seu mandato pelos próximos 15 meses e, no pior dos casos, prejudicando as chances de vitória do seu partido nas próximas eleições.

Em terceiro lugar, na minha opinião, a Rússia ocupa a Síria também com o propósito de realçar sua imagem e história de poder militar. Com a devastadora derrota da União Soviética na Guerra do Afeganistão (1979-1989) pelas tropas respaldadas pelos EUA e, considerando o forte nacionalismo impregnado na sociedade russa no que se refere a suas instituições militares, não é de se surpreender que qualquer líder russo moderno que arranque uma vitória militar sobre a nova versão do velho inimigo represente um marco moral e histórico.
 
Sim, a estrutura militar russa implantada na Síria, sobretudo a marinha e aeronáutica, agora parece relativamente permanente. E é isso que está causando insônia em Israel e em seus amigos sionistas de Washington. Eles sabem que o sonho da Grande Israel não pode ser concretizado com a Rússia dominando os céus e os mares do Levante. Essa é a atual e inescapável realidade. Como uma grande muralha russa que se levanta entre os sionistas e seu sonho imperial.
 
Alguns veriam nisso certa justiça poética. 
 
O sonho despedaçado enquanto realidade inaudita. Israel deixada sem recursos ou alternativas. Não pode entrar em enfrentamento direto com uma Rússia mais poderosa e recuperar seu domínio sobre o Levante. Não podia nem ao menos derrotar o Hezbollah em 2006, que não dispunha de nenhuma força aérea. E ainda mais frustrante pra Israel: também não pode chantagear, coagir ou comprar o governo de Putin. Em suma, com a gestão Obama, fica claro que os EUA não estão preparados para entrar em conflito direto com qualquer nação em nome de Israel, quanto mais com a Rússia. Os arquitetos do sionismo expansionista estão diante de um absoluto constrangimento. Sem mais pequenas reuniões para definir o próximo país árabe a destroçar ou o próximo território que possa ser usurpado. 
 
Alias, não há qualquer ideia na mesa dos arquitetos sionistas.  Apenas um genuíno silêncio.
 
Algo mais compõe essa catatonia que os sionistas vem experimentando: o fato de que a credibilidade do Estado Israelense nunca esteve tão baixa e, cedo ou tarde, a comunidade internacional - observando a fragilidade geopolítica de Israel - tende a pressioná-lo ainda mais, senão impôr uma solução de segundo Estado, pautado nas fronteiras de 1967. Ou seja, uma martelada ainda mais forte no sonho da Grande Israel. Não apenas deixará de expandir, mas possivelmente perderá uma porção dos territórios que (ilegalmente) ocupa hoje. Algo que o público e as autoridades israelenses não estão preparados para engolir.
 
Observando o padrão de comportamento dos sionistas, percebemos que aquilo que não podem controlar, geralmente eles destroem. E aparentemente essa é a única coisa que eles podem fazer nesse momento. Sem dúvida, veremos uma tentativa de prolongar os conflitos regionais por mais um século de guerras entre os árabes - eles vivem em função de estragar a vida dos seus vizinhos árabes.  Também sabemos que, quando os sionistas não estão dispostos ou hábeis para entrar em conflito, geralmente procuram mandar outras nações desejosas ou capazes. Mas como destaquei anteriormente, isso não será possível durante a administração Obama.
 
Que fazer então? Será que Israel preferiria que os EUA entrassem em confronto militar direto com a Rússia no Levante? Eu creio que sim. Mesmo com o risco de causar uma Terceira Guerra? Sim. Mesmo com o risco de disparar uma Grande Guerra? Sim.
 
Três vezes sim: a patologia dos sionistas fornece todos os indicativos. “A tribo acima de tudo” é seu mantra. São uma versão do Estado-Islâmico cheia de mísseis no porão. Suas intenções narcisistas são sempre notórias - e seus motivos e manobras nunca devem ser subestimados. 
 
Nós estamos em um ponto muito sóbrio da série de dramas que se travam no Levante e no Oriente-Médio. Todos procuram se preparar pro desconhecido. A conjunção de desconhecidos tão massacrantes é rara na história. A tensão geopolítica - apesar do nivelamento que os russos representam no Levante - mantém todos os personagens estressados. Todos tem muito a perder com um simples passo em falso. Movimentos hesitantes são feitos e agilmente desfeitos. Se perguntássemos ao Obama ou ao Putin o que aconteceria ao mundo no dia em que as duas nações entrassem em guerra, ambos responderiam sombriamente com um “Não sei”.
 
Por agora, os sionistas pretendem manter a morte da Grande Israel em segredo, esperando que o próximo presidente americano seja mais maleável e reacionário que Obama. Eles estarão matando tempo e torcendo para que assuma alguém mais sionista que Theodore Herzl. Ideologicamente mais violento que o Estado Islâmico e o Tarantino. Esperando, contra todas as chances, que o pequeno Estado de Israel sobreviva à catástrofe da Terceira Guerra Mundial com pouco estrago dentro de sua fronteiras. Esperando, contra todas as chances, que o mundo árabe ao redor Israel seja bombardeado de volta à idade da pedra, enquanto Israel continua como noiva super tecnológica do Oriente-Médio. Esperando, contra todas as chances, que a Rússia seja novamente derrotada pelos EUA - apenas para que os israelenses retomem as águas e o céu do Levante e revivam o sonho da Grande Israel. Esperando, contra toda e qualquer chance, que uma Terceira Guerra possa resolver os problemas de Israel.
 
Tradução por Allan Brum

"A língua portuguesa que falamos é culturalmente negra" “A proximidade entre o português arcaico e as línguas do grupo banto resultou no português que falamos hoje” Marcello Scarron

“A proximidade entre o português arcaico e as línguas do grupo banto resultou no português que falamos hoje”

Marcello Scarrone
  • Nossa língua africana
     
    Em Angola, ela é Yeda “Mun-tu” Castro. Na Nigéria, é Yeda Pessoa “Olobumim” Castro. Vem de longe a relação da etnolinguista e professora da Universidade do Estado da Bahia com a cultura africana. Ainda criança, em Feira de Santana, Yeda viu-se com o desejo de decifrar a incompreensível língua falada pelos negros. Desejo que a levou a desbravar um caminho em tudo pioneiro: mestrado na Nigéria, doutorado no Zaire e a descoberta de uma herança linguística fundamental para o português falado no Brasil.
     
    Se nos orgulhamos de falar “cantano”, devemos agradecer ao gosto das línguas banto pelas vogais. Vem da mesma fonte africana o costume de abolir os plurais, como em “as criança” e “os menino”. A conversa de Yeda Pessoa de Castro com a RHBN foi cheia de exemplos saborosos assim. Além de suas muitas descobertas acadêmicas a respeito da participação da cultura africana na constituição da nossa língua, ela fala de preconceito e intolerância religiosa, defende criticamente as cotas raciais e relembra mais de meio século de intensa atuação na área – que a levaram a saias justas como a de ser acusada pelo movimento negro de ser uma “branca ocupando lugar de negro”, mesmo quando defendia precocemente a adoção de disciplina obrigatória sobre a cultura afro-brasileira nas escolas.
     
    Omitida durante muito tempo na história oficial brasileira, a afrodescendência venceu a batalha da língua. 
     
    Revista de História – Todo brasileiro é culturalmente negro, como disse Gilberto Freyre?
    Yeda Pessoa de Castro – Não podemos generalizar. A cultura brasileira é em parte negra, mas depende do grau de presença africana pelas várias regiões. Mas a língua portuguesa que falamos, sim: esta é culturalmente negra. Ela é resultado de três grandes famílias linguísticas: a família indo-europeia, com a participação dos falantes portugueses, a família tupi, com a participação dos falantes indígenas, e a família níger-congo, com a participação dos falantes da região subsaariana da África. 
     
    RH – Por que a participação da família africana é tão importante? 
    YPC – Durante três séculos, a maior parte dos habitantes do Brasil falava línguas africanas, sobretudo línguas angolanas, e as falas dessas regiões prevaleceram sobre o português. Antes se ignorava essa participação, se dizia que o português do Brasil ficou assim falado devido ao isolamento, à predominância cultural e literária do português de Portugal sobre os falantes negros africanos analfabetos. Eles realmente não sabiam ler ou escrever português, mas essas teorias eram baseadas em fatores extralinguísticos. Eu introduzi nessa discussão a prevalência e a participação dos falantes africanos, sobretudo das línguas níger-congo, que são cerca de 1.530 línguas. As mais faladas no Brasil foram as do Golfo do Benim e da região bantu, sobretudo do Congo e de Angola. 
     
    RH – São as chamadas de ioruba?
    YPC – Ioruba são as línguas antes chamadas de sudanesas. Hoje as chamamos de línguas da África ocidental, ou línguas oeste-africanas. Destas, as mais faladas no Brasil foram o ioruba, que geralmente chamamos de nagô, e a língua fon, do grupo ewe-fon, que nós chamamos de jeje. 
     
    RH – Como se interessou pelas línguas africanas?
    YPC – Desde pequena, na fazenda dos meus tios, em Feira de Santana, eu via aquelas rezas, havia muitos negros na região, via aqueles cantos, benzeduras, quando ficava doente tomava daquelas mezinhas que eles faziam com ervas. Em Salvador eu cresci num bairro popular, de famílias pobres como era a minha. A escola onde estudei, Nossa Senhora de Fátima, tinha uma diretora, professora Minervina, uma mulher negra, grande, que me impressionava, e no trajeto de minha casa para a escola havia muitos, muitos negros. Eu não conseguia entender o que eles diziam, aquelas palavras misteriosas. E prometi para mim mesma: “um dia vou saber o que eles estão dizendo”. Então fui fazer Letras, para ter a possibilidade de matar essa curiosidade. No curso tinha um professor, Nelson Rossi, que influenciou muito as pesquisas sobre dialetologia, e me interessei em estudar a participação dos falantes africanos na formação do português do Brasil. O professor Rossi disse: “Ah, não se preocupe que isso tudo já foi estudado por Jacques Raimundo [autor de O elemento afro-negro na língua portuguesa (1933)], Renato Mendonça [autor de A influência africana no português do Brasil (1935)], nos anos 30”.
     
    RH – Começou sua pesquisa por onde?
    YPC – Comecei em Salvador, levantando esse vocabulário, essa fala, mas tive a felicidade de poder sair do Brasil. Valia a pena sair do Brasil naquele momento, anos 60, muito conturbados, não é? Fui para a Nigéria, para a cidade de Ibadan, era uma zona de língua ioruba e na vizinhança se falava fon, jeje. Então fiz um trabalho sobre ioruba e fon. Até aquele momento era concepção vigente que a maior influência que havia no Brasil era a da presença ioruba/nagô. 
     
    RH – Não se conhecia a influência bantu?
    YPC – Nina Rodrigues, quando estudou a influência africana no Brasil, fez um trabalho primoroso com os dados etnográficos que existiam. As pessoas o acusam de racista, mas eram as teorias vigentes na época. Quem garante que amanhã ou depois alguém não irá dizer que nós também somos racistas, e que essa teoria não vale nada? Nina começou a estudar a população negra africana em Salvador no momento em que havia uma grande concentração de falantes ioruba, ficou impressionado e afirmou que a mais importante influência africana no Brasil era ioruba. E ficou impressionado com outra coisa: naquela época ioruba era uma língua escrita, e o prestígio da escrita em comparação com as línguas europeias a fez prevalecer sobre outras línguas que não tinham escrita até aquele momento. Ele a achou uma língua literária, de uma cultura superior, fez tantos elogios à língua ioruba e aos falantes ioruba que o Brasil terminou dividido em duas grandes influências: ioruba na Bahia e o resto. Para Nina, o resto é o resto, não tem legitimidade, para Pierre Verger também. Nesse meio-tempo a influência iwe-fon ficou esquecida. Meu estudo sobre ioruba e iwe-fon foi a primeira dissertação de mestrado de um brasileiro numa universidade africana. Só mais tarde, em 76, quando voltei a Salvador e fui ao Caribe também, comecei a perceber que havia muito mais coisas que não eram ioruba. Havia bantu. Esqueceram que a maioria, 75% dos cerca de 4 milhões de negros escravizados no Brasil, era de procedência bantu. Por que essa população foi silenciada? Então apareceu a oportunidade de ir para o Zaire, o antigo Congo belga, numa universidade maravilhosa. Mobutu, que era o ditador do país, ele próprio um ignorante, fazia questão de mostrar que havia cultura, que havia uma grande universidade, a Universidade Nacional do Zaire, Unaza. E lá escrevi meu doutoramento. 
     
    RH – O que descobriu? 
    YPC – Nós não temos um falar crioulo do português, como no Caribe, na Guiana ou em outras regiões onde os portugueses foram os colonizadores. Mas percebi uma coisa: Angola e Moçambique também não têm falar crioulo. Por quê? Devia haver um link, não só uma coisa extralinguística, mas algo de tipo intrínseco, que impediu que emergisse um falar crioulo em Angola, em Moçambique e no Brasil. E eu vi que foram as mesmas línguas que entraram em contato: o português arcaico e as línguas do grupo bantu, especialmente as do Congo e de Angola, pois o tráfico com Moçambique foi muito menor e posterior. No Congo descobri o que aconteceu no Brasil: a proximidade que houve por acaso entre o português arcaico e as línguas do grupo bantu, que resultou no português que falamos hoje.
     
    RH – No que resultou a combinação dessas línguas? 
    YPC – As línguas do grupo bantu não têm grupos consonantais, não têm uma sílaba fechada por consoante. O resultado é que nosso português é riquíssimo em vogais, afastado do português lusitano, muito baseado nas consoantes. O baiano fala cantando? Todo brasileiro fala cantando – aliás “cantano”, porque a gente sempre evita consoantes. A parte sonora da palavra é a vogal, e nós fazemos questão de cantar. No futebol nós dizemos “gou”, em Portugal dizem golo, para acentuar a consoante. Nossa língua é vocalizada, nós colocamos vogais até mesmo onde elas não existem. Pneu: nós usamos duas sílabas. Ritmo: nós dizemos três sílabas. Não sei por que as gramáticas insistem em dizer que “ritmo” tem duas sílabas, quando tem três. Fui ver a estrutura silábica do português arcaico e a formação silábica e o processo fonológico das línguas faladas em Angola e no Congo, e reparei numa extrema coincidência: é o mesmo tipo de estrutura silábica: consoante-vogal-consoante-vogal o tempo inteiro. Houve o mesmo tipo de encontro do português arcaico com essas línguas, que eram faladas majoritariamente no Brasil. Em vez de haver um choque, em vez da necessidade de emergir outro falar, um falar crioulo, não: houve simplesmente uma acomodação, devido às coincidências dessas estruturas linguísticas.
     
    RH – Que outras características nosso português herdou?
    YPC – A eliminação dos plurais, por exemplo. Marcamos o plural pelo artigo que antecede o substantivo, mas o substantivo fica no singular: “os menino”, “as criança”, isso é normal no Brasil. Por quê? Porque nas línguas do grupo bantu o plural das palavras se faz por prefixo. A linguagem popular do Brasil, em qualquer região, tem as mesmas características: evitar grupos consonantais, substantivo sempre no singular, além da dupla negação, “eu não sei não”: isso é africano, o português de Portugal jamais diz isso. Também começar a frase com pronomes átonos: me diga, me fala, a gente começa a frase usando próclise. A mesóclise do português desapareceu na linguagem do Brasil: “dir-te-ei”, ninguém diz isso. 
     
    RH – Em que situações o português do Brasil é mais africano?
    YPC – O nível mais próximo que tínhamos de vestígios de línguas africanas é o das linguagens religiosas: a dos vissungos em Minas Gerais, a do candomblé da Bahia, a da umbanda. A linguagem estava lá, não mais como competência linguística, mas como competência simbólica. Esta foi outra descoberta do meu trabalho: a competência simbólica. Quando as pessoas recebem uma entidade, vamos dizer, Oxum, rainha das águas (eu também sou filha de Oxum), há a saudação “Olele ô”. O que é “Olele ô”? Não interessa, a saudação é aquela. Isso é competência simbólica. No mês de Maria [maio] se reza a ladainha num suposto latim, que não é mais latim: “Regina Coeli, Aleluia, Regina bofetarum”, em vez de profetarum. As pessoas estão cantando para a rainha, então não tem importância: é a competência simbólica. Assisti a um caso muito curioso numa cerimônia no Pelourinho. Era uma trezena – porque na Bahia trezena são três dias, não treze, é um tríduo – uma trezena de Santo Antônio, e teve uma cena inteiramente amadiana [de Jorge Amado]. Lá tinha traficantes, prostitutas, tinha tudo. Primeiro, eles fizeram uma roda de santo para fazer uma feijoada de Ogum, e cantaram com sistema lexical africano. Quando terminou, fomos cantar para santo Antônio: ele estava num cantinho do altar, com aquelas flores azuis e brancas de papel crepom, e eles começaram a cantar a ladainha em latim acompanhada de tambor. O trecho “Agnus Dei qui tollis peccata mundi” foi cantado “Agnus dê clitóris peccata mundi”. Agnus passou a ser uma entidade que nos deu clitóris. Dizem que quem não sabe rezar xinga Deus, eu não concordo. Quem não sabe rezar que continue rezando dentro de sua competência simbólica, a competência linguística não tem nenhuma importância.
     
    RH – A língua se transforma segundo o estrato social?
    YPC – O nível que vem depois da linguagem popular é o do falar mais cuidado, este que nós estamos usando aqui, e com tom regional. E enfim o português literário do Brasil, o português escrito, que obedece aos padrões da norma da língua portuguesa como um todo. À medida que você se aproxima desse nível, a influência africana diminui, devido à escolaridade. Quando somos menos alfabetizados, falamos mais africanizado. Quando somos mais alfabetizados, falamos mais aportuguesado. Mesmo assim não se consegue inibir esses traços, que estão na constituição do português do Brasil. 
     
    RH – É positiva a mobilização da sociedade e do Estado brasileiros por maior reconhecimento das nossas heranças africanas? 
    YPC – Sim, inteiramente. Quando era diretora do Centro de Estudos Afro-Orientais da Bahia, em 82 ou 83, propus à Secretaria de Educação do Estado – e os movimentos negros me apoiaram nisso – a introdução de uma disciplina obrigatória nos currículos do Ensino Médio: Estudos Africanos (geografia, língua, literatura, história, antropologia, sociologia). A proposta foi aceita: em 84, 85, já tinha uma norma do então secretário de Educação da Bahia, professor Valdo Boaventura, determinando a introdução dessa disciplina nos currículos. Eu fui a predecessora da lei que seria aprovada bem mais tarde, em 2002, de Lula. E acho as cotas muito positivas, mas não se pode aprovar uma pessoa que se diz afrodescendente se for ignorante naquilo que pretende fazer. É muito importante que a população negra entre na universidade para abalar a estrutura, trazendo um novo discurso, uma nova visão, um novo colorido, que entre para abalar a concepção de que a universidade é uma instituição branca. Mas não se pode fazer isso indiscriminadamente. Há um tempo, fiz parte de uma banca examinadora que tinha duas candidatas, uma que não era negra e uma negra, e a segunda fez a opção de entrar pelas cotas. Só que o discurso dessa candidata foi pífio e o trabalho que ela escreveu era de uma pessoa quase analfabeta. Quem passou? Ela. Para que haja cotas é preciso que também haja o mérito. 
     
    RH – As universidades brasileiras ainda são muito elitistas? 
    YPC – Extremamente elitistas. Veja a Universidade Federal da Bahia, por exemplo. Até hoje não existe um curso de línguas africanas. Até hoje não se estuda a questão das línguas africanas no Brasil numa cidade como Salvador, onde 85% da população são afrodescendentes. Quando assumi a direção do Centro de Estudos Afro-Orientais, abri a biblioteca para o público em geral e foi um escândalo: a biblioteca da universidade é para servir à universidade, diziam. Não, eu disse, aqui é um centro de estudo de extensão da universidade, então vou trabalhar com a comunidade. Fui acusada de estar vulgarizando a universidade. Por outro lado, como eram os anos 80, quando o movimento negro foi instalado na Bahia, falaram que eu era uma branca ocupando lugar de negro. Então fiquei entre a cruz e espada. Mas como sou baiana, e todo baiano gosta de capoeirar, fui capoeirando até o fim, sem nenhum conflito.
     
    RH – O que explica a persistência de intolerância contra religiões afro-brasileiras?
    YPC – Primeiro: são religiões que não têm uma bíblia, são baseadas na oralidade. A pedagogia do mundo ocidental é toda baseada na escrita, só é legítimo o que é escrito. Como essas religiões não têm um livro sagrado, são folclore. E, como disse Edison Carneiro, cada candomblé, cada grupo desses, é uma igreja independente em si mesma. Não tem um papa que diga que tem que fazer isso ou aquilo. O segundo preconceito: eram religiões predominantemente praticadas por negros. E a comunidade negra é ligada à escravidão, ao analfabetismo, à falta de cultura, a uma série de preconceitos que nós sabemos que existem no Brasil. É uma religião sem proselitismo, ninguém faz sua cabeça para entrar no candomblé, você vai se quiser, e na hora que quiser sair, você sai. Não oferecem céu, inferno e purgatório, isso não existe para elas. São religiões livres, que aceitam os indivíduos como eles são, homossexuais ou não, traficantes ou não, não interessa: não há nenhuma norma para você participar de um candomblé, da umbanda. Isto faz frente à Igreja Católica, que está perdendo fiéis. A Igreja Universal do Reino de Deus, com a força de seu muito dinheiro, quer reconquistar exatamente esse espaço, que o “povo de santo” conquistou e ocupa na sociedade brasileira.
     
    RH – Como vê a apropriação de manifestações afro-brasileiras pela indústria cultural? 
    YPC – De certa maneira, essa indústria cultural divulga traços da presença negra africana no Brasil. A questão é a maneira como divulga isso. Por exemplo, escola de samba: houve essa questão da Beija-Flor [patrocinada em 2015 pela ditadura da Guiné Equatorial] e eu fiquei estarrecida com a entrevista de um dos membros da escola, dizendo “Nós não fazemos política, de onde veio o dinheiro não interessa”. Eu me pergunto por que as entidades que geralmente se preocupam com isso não dizem nada. Os carnavais do Rio são a exibição fantástica de comunidades com pessoas pobres que compram suas fantasias para dar dinheiro aos grandes cartolas das escolas de samba. Na Bahia a coisa é mais limitada: os blocos afro e afoxé, coitados, lutam para sair no carnaval, têm que competir com Ivete Sangalo, Margareth Menezes, Carlinhos Brown. São blocos que querem apresentar o carnaval com os traços da cultura que eles preservam. O bloco Olodum recebe muito dinheiro, mas eles trabalham para isso, não recebem de nenhum ditador africano.
     
    RH – Os países africanos e caribenhos se interessam pela cultura brasileira?
    YPC – No Caribe, há um interesse muito grande pelos traços de origem africana na formação das religiões. Na Nigéria e no Benim, há muita gente da universidade interessada na troca de estudantes e de professores. Em Angola, claro: Bahia é Angola, Angola é Bahia, o interesse é enorme para estudar o que chamamos de africanias, todo o legado de matriz cultural africana nas Américas. Há dois anos a Universidade Estadual da Bahia assinou um acordo com a Universidade Agostinho Neto, a mais importante, a mais antiga de Angola, para ensinar duas línguas africanas no currículo, quicongo e quimbundu, como línguas estrangeiras. São as mais faladas, e muito próximas, como se fossem português e espanhol, antes eram uma só. Mas até hoje a UNEB não tomou nenhuma providência para introduzir esse curso, o que é uma pena. Seria a primeira universidade brasileira a oferecer um curso de línguas africanas como línguas, e não como dialetos. 
     
    Principais obras da autora
     
    Falares Africanos na Bahia (um vocabulário Afro-Brasileiro). Vol. 1. 2. ed. Rio de Janeiro: Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda., 2005. 366p.
    A língua mina-jeje no Brasil. Vol. 1. 1. ed. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002. 240p.
    Contos Populares da Bahia: aspectos da obra de João Silva Campos. Vol. 1. Salvador: Departamento de Assuntos Culturais da Prefeitura do Salvador, 1978. 50p.

Brasileiro fala banto

Ligado .
Marcos Bagno
Por Marcos Bagno (*)
Dia desses, uma gaúcha veio me contar, entusiasmada, que tinha aberto uma escola de línguas em Porto Alegre, que não queria se limitar ao ensino das línguas europeias (inglês, francês, espanhol, italiano, alemão) mas pensava em oferecer também o iorubá, para ser uma escola “politicamente correta”, que contemple as línguas que “influenciaram” o português brasileiro.
Pensei com meus botões: “Mais uma iludida”.
O desconhecimento, por parte da maioria dos brasileiros, inclusive linguistas profissionais, da história linguística do nosso país é impressionante. Quando, com base nos excelentes estudos de Yeda Pessoa de Castro, digo às pessoas que, das línguas africanas trazidas para cá com o tráfico de escravos, a que menos impacto exerceu sobre o português brasileiro foi o iorubá, as reações costumam ir da surpresa à indignação.
O iorubá é uma língua oeste-africana. Seus falantes só começaram a ser trazidos para o Brasil no final do século XVIII, com a destruição do reino de Queto, e também depois de 1830, quando foi arrasado o império de Oió.
Ficaram concentrados nas zonas litorâneas, com especial destaque para a região do Recôncavo baiano. Com os falantes de iorubá e de outras línguas oeste-africanas vieram os cultos religiosos que se tornaram conhecidos como candomblé.
Por causa do prestígio cultural que essas manifestações religiosas alcançaram é que se fixou, entre nós, o mito de que o iorubá é a principal (quando não a única!) língua africana que exerceu “influência” sobre o português brasileiro.
Desse mito decorrem inúmeras distorções como, por exemplo, a do filme “Quilombo”, de Cacá Diegues (1984), em que Zumbi dos Palmares e demais quilombolas falam iorubá, em pleno século XVII, quando ainda não tinham chegado ao Brasil os falantes dessa língua. O mesmo se pode dizer dos inúmeros cursos de iorubá oferecidos Brasil afora e que muitas pessoas vão frequentar na crença de que, assim, se aproximariam mais das raízes africanas da nossa população e da nossa cultura.
Ora, as línguas que de fato mais confluíram para a formação do português brasileiro são de uma outra família, a família chamada banto. São de línguas bantas (quicongo, quimbundo, umbundo) a maioria dos escravos trazidos a partir do século XVII e que serão distribuídos por todo o território brasileiro.
A antiguidade da presença dos bantos é que explica a grande quantidade de vocábulos plenamente integrados ao falar brasileiro do dia-a-dia e referentes aos mais diversos campos da vida humana. As palavras do iorubá que empregamos, por outro lado, se referem quase exclusivamente ao universo religioso e têm uma difusão muito mais restrita geograficamente.
Com isso, se quisermos de fato nos aproximar das nossas raízes africanas mais profundas, é nas línguas do grupo banto que devemos procurá-las. É delas que vêm, entre tantas outras, as já brasileiríssimas caçula, carimbo, cachaça, dengo, samba, sacana, biboca, maconha, bagunça, jiló, cachimbo, cafungar, fungar, cabular, catinga, catimba, ginga, lambada, cangaço, mocambo, moleque, miçanga, moqueca, muamba, olelê-olalá, tutu, titica, xingar, quiabo, quitanda, quitute, muxoxo, cochilo, banguela, cabaço, beleléu, zanzar, ziquizira, songamonga, moringa, camundongo, babaca, senzala, mucama, macaco, babau, caxumba, capanga, canga, tanga, lengalenga, mandinga, coroca, cotó, fubá, moleque, cafuné, jagunço, meganha... sem falar, é claro, da grande unanimidade nacional: a bunda!
Além disso, os pesquisadores vêm mostrando cada vez mais que o impacto do banto sobre o português brasileiro não se restringe ao léxico, isto é, às palavras. Muitas das características gramaticais próprias do português brasileiro (algumas, aliás, exclusivas da nossa língua no conjunto das línguas românicas e mesmo indo-europeias) podem ter origem na transferência, para a língua que foram obrigados a aprender, de traços gramaticais dos idiomas bantos falados pelos escravos.
Uma delas é a possibilidade de locuções adverbiais ocuparem a posição de sujeito. Por mais natural que nós, brasileiros, consideremos uma frase como “Esse elevador só cabe 8 pessoas” ou “A janela do meu quarto não bate sol”, essas construções são desconhecidas não só do português europeu, mas de todas as línguas românicas e também das demais línguas indo-europeias.
Ora, nas línguas do grupo banto construções desse tipo são perfeitamente comuns. Quando (se) a sociedade brasileira algum dia deixar de ser uma das mais racistas do mundo, quem sabe o verdadeiro impacto da cultura africana venha a ser definitivamente reconhecido, valorizado e apreciado.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Ex-Amor - Simone e Martinho da Vila - Som Brasil (29/05/2009)

Queremos ser uma republiqueta ou grande país? Por Paulo Nogueira

Postado em 21 out 2015
Clap, clap, clap: Barroso brilhou
Clap, clap, clap: Barroso brilhou
Fiquei ressabiado quando vi que Luís Roberto Barroso tinha sido nomeado para o STF.
Pensei em Fux, em Barbosa.
E sabia que que Barroso tinha sido advogado da Abert, a associação de emissoras de tevê que funciona, a rigor, como o lobby da Globo.
Nesta função, ele assinou no Globo um artigo em que defendia a reserva de mercado da mídia com argumentos ridículos.
Um deles é que os chineses poderiam comprar uma emissora e, com ela, fazer propaganda do maoísmo.
Outro argumento invocado por Barroso afirmava que as novelas são um patrimônio cultural brasileiro.
Bem, tudo isto posto, o fato é que, no STF, Barroso logo se destacou como uma das vozes da razão e do progressismo.
Num determinado momento, quando Barbosa sob os aplausos da mídia cometia barbaridades, ele destacou seu “déficit civilizatório”, e a partir dessa bofetada moral o então presidente do STF jamais foi o mesmo.
E agora Barroso, na hora certa, se manifesta com enorme propriedade.
Ele definiu com precisão o impasse em que o país está já há um bom tempo atolado. Precisamente, desde que foram conhecidos os resultados das eleições, com a derrota jamais aceita de Aécio.
Temos que decidir se somos uma grande nação ou uma “republiqueta”, disse Barroso.
Clap, clap, clap. De pé.
Republiqueta é onde não se respeitam os votos. Onde tipos como Eduardo Cunha acham que podem barbarizar uma vida inteira sem consequências. Onde derrotados em eleições buscam pateticamente pretextos para obliterar a vontade popular.
Republiqueta é onde a imprensa dá ensurdecedora voz a golpistas como Aécio e FHC, e a corruptos como Cunha enquanto são úteis.
Republiqueta, em suma, é o que a plutocracia que tomou de assalto o Brasil gostaria que fôssemos sempre, porque assim suas mamatas e privilégios ficariam eternizados.
Foram estas mamatas e privilégios – tudo à base do dinheiro público – que fizeram do Brasil um dos símbolos mundiais da desigualdade social.
Dinheiro público que deveria construir escolas, hospitais, casas populares foi ao longo dos tempos dar na conta de um pequeno grupo de predadores.
Qual a família mais rica do Brasil? A família Marinho. De onde vem sua fortuna? Do dinheiro público.
Isto conta tudo.
Para a plutocracia, interessa que permaneçamos uma republiqueta. Claro.
Mas e para a sociedade como um todo?
Queremos ser uma republiqueta ou uma nação socialmente avançada e internacionalmente admirada como a Escandinávia pela qual tanto se bate o DCM?
Estes dois projetos de Brasil se enfrentam hoje.
A republiqueta está reunida em torno de Eduardo Cunha e de golpistas reacionários como Aécio e FHC, e a palavra mágica para eles é impeachment.
Queremos um país com as feições de Eduardo Cunha?
Barroso foi ao ponto.
Temos que escolher entre a republiqueta e uma nação moderna.
E não podemos deixar que um pequeníssimo grupo de privilegiados rapinadores – os plutocratas – decida por nós.
Porque eles escolherão o atraso, do qual sempre se beneficiaram.
É o que convém a eles. Mas não ao Brasil.

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

A aliança macabra entre PSDB e Cunha tem que ser aniquilada. Por Paulo Nogueira

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Daqui por diante, dadas as circunstâncias extraordinárias, Eduardo Cunha está moralmente interditado para tomar qualquer decisão que afete a sociedade.
Qualquer.
Ele não tem sequer condições psíquicas para julgar o que deve fazer ou não. Sonhava com a presidência e hoje enfrenta a realidade de um desmascaramento estarrecedor como um dos maiores corruptos da história.
Um país inteiro não pode ficar à mercê de um homem que, pelo menos momentaneamente, perdeu a razão e busca não a Justiça — mas arrastar outros em sua queda vergonhosa por ódio e vingança.
E nem devem ser tolerados interesses criminosos escondidos por trás de um moralismo de fachada.
O que o PSDB está fazendo em sua macabra aliança com Cunha é, simplesmente, inominável. Em nada difere do que a velha UDN fez, no passado, para derrubar Getúlio e Jango.
Era a plutocracia matando a democracia sob pretextos vis. É a mesma coisa, mais uma vez. Onde havia Lacerda agora há Aécio e FHC. Onde havia tanques agora há tribunais tão perigosos quanto eles.
A intenção é a mesma: aniquilar a vontade popular expressa nas urnas.
A tentativa de assassinar a democracia não pode triunfar pela terceira vez. Ou faremos jus ao apelido de República das Bananas.
A parceria PSDB-Aécio está para o avanço social brasileiro como a Bastilha esteve para a transformação da França em 1789.
Tem que ser derrubada
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domingo, 4 de outubro de 2015

A estratégia dos Estados Unidos para a América Latina Documentos do Wikileaks revelam um plano detalhado para derrubar os governos eleitos dos países latino-americanos e até mesmo o assassinato de Evo Morales.

No recém terminado verão europeu, o mundo viu como a Grécia tentou se opor às chantagens das instituições internacionais que obrigaram o país a aceitar um pacote de novas medidas de austeridade. O endividado Estado grego não pode se negar a cumprir as ordens da Troica conformada pelos credores. Depois do referendo convocado pelo governo de Alexis Tsipras, o Banco Central Europeu privou a economia grega de liquidez, o que intensificou a recessão e transformou o resultado do voto popular numa farsa.
 
Uma batalha similar pela independência das nações vem sendo travada na América do Sul, durante os últimos 15 anos. Apesar das tentativas de Washington de destruir a “dissidência estatal” em vários países utilizando as mesmas técnicas empregadas contra Atenas, a fortaleza da América Latina vem suportando a pressão. Essa batalha épica vem promovida longe dos olhos dos cidadãos e foi confirmada por documentos do arquivo do Departamento de Estado norte-americano, filtrados pelo WikiLeaks. Alexander Main e Dan Beeton ofereceram uma interessante reconstrução desses acontecimentos em seu livro “WikiLeaks: o mundo segundo o Império Estadunidense”. 
 
Os autores argumentam que o neoliberalismo se impôs na América Latina antes de Berlim e Bruxelas humilharem a democracia na Grécia. Através da coação exercida pelos Chicago Boys – jovens economistas latino-americanos que regressam aos seus países depois de estudar nos Estados Unidos –, Washington conseguiu difundir a austeridade fiscal na América do Sul, entre outros princípios ideológicos: a desregulação, o livre comércio, o sucateamento do setor público e posterior privatização, em processos realizados entre os Anos 80 e 90. O resultado foi similar ao que se viu na Grécia: o estancamento do crescimento, o aumento da pobreza, a deterioração das condições de vida de milhões de pessoas e uma série de novas oportunidades para os investidores internacionais e corporações multinacionais. Porém, como consequência disso, alguns candidatos contrários ao regime neocolonial começaram a ganhar as eleições e a oferecer resistência à política exterior dos Estados Unidos, colocando em prática suas promessas eleitorais de redistribuição social e redução da pobreza.
 
Entre 1999 e 2008, esses candidatos ganharam eleições na Venezuela, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia, Honduras, Equador, Nicarágua e Paraguai. Grande parte dos esforços do governo norte-americano para subverter a ordem democrática desses países e voltar a impor o regime neoliberal são agora de domínio público, graças às filtragens do WikiLeaks, que revelaram a verdade sobre o presidente George W. Bush e o começo do mandato de Obama. Washington deu apoio estratégico e material aos grupos de oposição, alguns deles claramente antidemocráticos e violentos. Os telegramas também revelaram a natureza dos emissários ideológicos estadunidenses da Guerra Fria, que atualmente elaboram estratégias neocoloniais na América do Sul. Os autores do livro afirmam também que os meios de comunicação corporativos são parte da estratégia expansionista.
 
O caso emblemático de Evo Morales na Bolívia 
 
No final de 2005, Evo Morales ganhou as eleições presidenciais com a promessa de reformar a Constituição, garantir os direitos dos indígenas e lutar contra a pobreza e o neoliberalismo. No dia 3 de janeiro de 2006, dois dias depois do seu juramento como presidente, ele recebeu o embaixador estadunidense, David N. Greenlee, que explicou a visão que a Casa Branca tinha para o futuro da Bolívia. A assistência multilateral à Bolívia, segundo o embaixador, dependia do “bom comportamento” do governo de Morales. “Ele lembrou da importância crucial das contribuições dos Estados Unidos para instituições financeiras internacionais como o Banco de Desenvolvimento Internacional (BID), o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)”, dos quais a Bolívia dependia. “Quando pensar no BID, você deve lembrar dos Estados Unidos”, disse o embaixador. “Isto não é uma chantagem, é a simples realidade”, comentou. 
 
Contudo, Morales manteve suas promessas eleitorais em matéria de regulação dos mercados de trabalho, nacionalização do gás e do petróleo e a cooperação com Hugo Chávez. Em resposta a essas ações de Morales, Greenlee sugeriu um “menu de opções” para tentar obrigar a Bolívia a se curvar diante da vontade do governo dos Estados Unidos. Algumas dessas medidas eram: vetar todos os empréstimos multilaterais em dólares, postergar o plano de alívio da dívida multilateral, diminuir o financiamento da Corporação do Desafio do Milênio (que pretende acabar com a pobreza extrema) e cortar o “apoio material” às forças de segurança da Bolívia.
 
Poucas semanas depois de assumir o cargo, Morales anunciou o rompimento de contratos de empréstimo com o FMI. Anos mais tarde, Morales aconselhou a Grécia e outros países europeus endividados a seguir o exemplo da Bolívia e “se livrar economicamente dos caprichos do Fundo Monetário Internacional”. O Departamento de Estado norte-americano reagiu financiando a oposição boliviana. As forças políticas opositoras da região da Meia Lua começaram a receber mais ajuda. Segundo uma mensagem enviada em abril de 2007, a chancelaria dos Estados Unidos considerava que a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) “deveria fortalecer os governos regionais, como forma de combater o governo central”.
 
O informe de 2007 da USAID menciona 101 remessas de dinheiro, com um total de 4,06 milhões de dólares, “para ajudar os governos das províncias a operar estrategicamente”. O dinheiro da Casa Branca também foi destinado aos grupos indígenas locais que fossem “contra a visão das comunidades indígenas defendida por Evo Morales”. Um ano depois, os departamentos da Meia Lua estavam em aberta rebelião contra o governo de Morales e promoviam um referendo sobre a autonomia, num contexto de protestos violentos que acabaram com a vida de ao menos vinte partidários do governo.
 
Esta tentativa de golpe de Estado fracassou graças à pressão dos presidentes da América do Sul, que emitiram uma declaração conjunta de apoio ao governo constitucional da Bolívia. Mas os Estados Unidos não se deram por vencidos e continuaram em comunicação constante com os líderes do movimento separatista da oposição. Segundo Alexander Main e Dan Beeton, durante os acontecimentos de agosto e setembro de 2008, diferente do que mostravam em sua postura oficial, o Departamento de Estado norte-americano levou a sério a possibilidade de um golpe de Estado na Bolívia, ou até mesmo de assassinato do presidente Evo Morales. “O Comitê de Ação de Emergência, junto com o Comando Sul dos Estados Unidos, desenvolveu um plano de resposta imediata para o caso de uma emergência repentina, que inclui uma tentativa de golpe de Estado e uma operação para matar o presidente Morales”, diz a mensagem da Embaixada dos Estados Unidos em La Paz. 
 
Promoção da democracia
 
Posteriormente, alguns dos métodos de ingerência implantados na Bolívia se aplicaram em outros países, com governos de esquerda ou forte participação dos movimentos sociais. Por exemplo, depois da volta dos sandinistas ao poder na Nicarágua, em 2007, a embaixada dos Estados Unidos em Manágua lançou um programa de apoio intensivo à Aliança Liberal Nicaraguense (ALN), principal partido da direita opositora.
 
Ameaça bolivariana
 
Durante a Guerra Fria, a suposta ameaça da União Soviética e a expansão do comunismo cubano serviram para justificar um grande número de intervenções políticas dos Estados Unidos com o objetivo de eliminar governos de esquerda e implantar regimes militares de direitas. Da mesma forma, as filtragens do WikiLeaks mostram como “o fantasma do bolivarianismo” venezuelano foi utilizado na década passada para justificar a intromissão em temas internos de governos encabeçados por líderes antineoliberais. Assim, Washington se dedicou a uma batalha oculta contra os governos da Bolívia, “que caiu nos braços da Venezuela” e do Equador, que realizava a função de “porta-voz de Chávez”.
 
Tradução: Victor Farinelli