"Deixo
à sanha dos meus inimigos o legado da minha morte. Levo o pesar de não haver
podido fazer, por este bom e generoso povo brasileiro e principalmente pelos
mais necessitados, todo o bem que pretendia. A mentira, a calúnia, as mais
torpes invencionices foram geradas pela malignidade de rancorosos e gratuitos
inimigos numa publicidade dirigida, sistemática e escandalosa. Acrescente-se a
fraqueza de amigos que não me defenderam nas posições que ocupavam, a felonia
de hipócritas e traidores a quem beneficiei com honras e mercês e a
insensibilidade moral de sicários que entreguei à justiça, contribuindo todos
para criar um falso ambiente na opinião pública do país, contra a minha pessoa.
Se a simples renúncia ao posto a que fui elevado pelo sufrágio do povo me
permitisse viver esquecido e tranquilo no chão da pátria, de bom grado
renunciaria. Mas tal renúncia daria ensejo para com fúria, perseguirem-me e
humilharem. Querem destruir-me a qualquer preço. Tornei-me perigoso aos
poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar
contas ao senhor, não de crimes que contrariei ora porque se opunham aos
próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos
pobres e aos humildes. Só Deus sabe das minhas amarguras e sofrimentos. Que o
sangue de um inocente sirva para aplacar a ira dos fariseus. Agradeço aos que
de perto ou de longe trouxeram-me o conforto de sua amizade. A resposta do povo
virá mais tarde....
Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois
de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros
internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de
libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei
ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais
aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do
trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a
justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar
liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás
e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi
obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente.
Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do
trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas
declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais
de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso
principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão
sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a
hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em
silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que
agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se
as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo
brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
Escolho este meio de estar sempre
convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado.
Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a
luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento
a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a
vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa
consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo
com o perdão. E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória.
Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem
fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre
em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação
do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O
ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida.
Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo
no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História."
(Rio de Janeiro, 23/08/54 -
Getúlio Vargas)
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