sábado, 14 de setembro de 2013

Só " furos n'agua

Que fim se deu aos médicos do Brasil?

13 de setembro de 2013 | 18:12
Hoje, em entrevista a rádios de Uberlândia, em Minas, a Presidenta Dilma Rousseff declarou que não vai recuar da decisão de chamar médicos, brasileiros ou estrangeiros, formados no exterior.
“Respeito os médicos brasileiros, porque acho que eles são de alta qualidade”, disse ela, mas que “ficou visível que os médicos que se inscreveram na primeira fase não foram trabalhar. Não todos, uma parte”. E anunciou: “Então, vamos agora preencher com médicos estrangeiros.”
Mas por que médicos que se inscreveram e confirmaram as inscrições?
Só existem três explicações possíveis para, depois do baixo nível de adesões, o comparecimento dos mil médicos brasileiros inscritos no Mais Médicos ter sido apenas a metade.
Todas terríveis para a categoria médica brasileira.
Primeiro, as condições de trabalho e a remuneração.
Que as instalações médicas no Brasil são precárias é verdade e não é novidade. Mas para um programa de saúde da família, que muitas vezes tem até a equipe de saúde indo às casas humildes dos pacientes, para um atendimento que frequentemente não precisa mais do que uma consulta e acompanhamento, convenhamos, não estamos falando de instalações hospitalares propriamente ditas. E ambulatórios são, quase sempre, ambientes muito modestos.
E a bolsa de R$ 10 mil é pequena? Não faz de ninguém um marajá, mas no panorama salarial brasileiro é maior do que o de muito trabalho deste nível de dedicação ou maior. Um professor universitário (Adjunto, nível A) com dedicação exclusiva e 40 horas de trabalho, ganha R$ 7.333. A maioria dos médicos no serviço público ganha pouco mais que metade do valor desta bolsa.
Então, não é isso, certo? Bem, para muitos pode ser, porque se criou uma cultura perversa, onde muitas vezes cargas horárias de 24 horas são exercidas num único plantão ou, pior, jornadas que eram para ter rotina de atendimento são tratadas assim e é por isso que não é raro encontrar um mesmo médico com quatro ou cinco vínculos com o serviço público, a maioria contratos por tempo determinado.
A segunda é o clima de radicalismo, ameaças e perseguições que, desencadeado por entidades e grupos médicos, pode ter assustado uma parte deles, temerosos que suas carreiras profissionais pudessem ser comprometidas. As ameaças de processo ético contra aqueles que participassem do programa ou coordenassem médicos estrangeiros não foram simples “brincadeiras de mau-gosto”. Em Pernambuco, médicos do serviço público que trabalham na adaptação dos profissionais estrangeiros tiveram um pedido do Sindicato dos Médicos ao CRM para a abertura de processo ético. Um violência que fez seis médicos que integravam a direção sindical renunciarem a seus mandatos.
A terceira, e mais triste de todas, infelizmente não é uma “campanha de desmoralização da classe”, mas o retrato da decadência ético-humanista da medicina brasileira.
Ninguém pede aos médicos que sejam “heróis sociais” todo o tempo, trabalhando nos cafundós e em condições difíceis como as dos postos de saúde do interior e das periferias urbanas. É natural, em qualquer profissão, que o tempo nos acomode e o trabalho mais duro nos canse.
Mas será que no início de uma carreira, quando ainda não temos as cargas e responsabilidades que os anos vão trazendo, enquanto os filhos ainda não vieram e se tornaram adolescentes, será que nem mesmo neste início profissional podemos viver longe dos shoppings, das baladas, do “frequentar”? A vida se resumiu nisso, numa ostentação, em superfluidades, ao ponto de levar-nos a esquecer o sentido e o valor de nosso trabalho, que é muito maior do que um salário?
Se é assim, temos de repensar seriamente o ensino de medicina, especialmente o feito pelas universidades públicas.
Mesmo que entendamos que a formação privada tem custo privado e dela faz-se o que quiser – com o que não concordo inteiramente, por acreditar no valor social do trabalho – temos de considerar que a formação de um médico em uma universidade pública custa algo como R$ 800 mil, ao longo dos seis anos de curso. Segundo o jornalista Breno Altman, só uma ínfima quantidade de alunos destas faculdades, pelas dificuldades do processo seletivo, vem dos colégios públicos onde estudam os filhos dos pobres e da classe média baixa. Estes, podem querem e estudar muito, mas não passam pelos filtros, em geral.
Então o cidadão brasileiro paga para formar profissionais que não querem trabalhar para ele? Que  não querem, mesmo com remuneração razoável, ir aonde ele precisa? Estes R$ 800 mil foram gastos com ele só para ele tentar “fazer a vida” como médico privado e no staffde bons e lindos hospitais? E para eles saírem, como uma legião de “coxinhas”, reclamando dos impostos que pagaram sua faculdade?
O argumento, eu sei, seria válido para qualquer curso em universidade pública. Mas se torna mais agudo nas carreiras médicas pelo custo dos cursos e pelo elitismo na distribuição das vagas.
Não é um problema simples e todos viram que a simples possibilidade de tornar obrigatória a residência médica no SUS para os estudantes – embora seja lá mesmo que a maioria faz sua especialização – já provocou uma imensa grita incoerente sobre “escravização” dos formandos.
O Brasil vai precisar abrir este debate. Cotas, financiamento de cursos pagos por retribuição em trabalho, criação de cursos especiais de medicina com essa vinculação, ampliação dos corpos médicos militares para o atendimento da população civil e a própria importação de médicos estrangeiros fazem parte desta discussão.
E essa discussão faz parte de uma maior: para que serve o saber, para que serve sermos uma sociedade, um país, uma nação…
Se for apenas para cuidarmos no nosso próprio interesse, de nossas próprias vontades, de nosso próprio viver aí, talvez, a palavra civilização perca o sentido.
Por: Fernando Brito

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