O bom, o ótimo e o pré-sal de Libra
11 de outubro de 2013 | 22:24
Entre os que pretendem postergar ou cancelar o leilão do campo de Libra, percebo duas posições.
Uma, sincera e emocional, que não se conforma com que sequer uma parte dos ganhos daquele campo de petróleo vá parar nas mãos de empresas estrangeiras – o que nenhum de nós desejaria.
Outra, aparentemente onírica, mas indubitavelmente irresponsável, porque desconsidera que, enquanto for riqueza potencial, apenas, o petróleo do pré-sal está exposto – e como está! – a toda a sorte de pressões e (in)sucessos políticos.
Se a primeira é, em princípio, a de todos nós, devemos ponderar na balança da vida prática como reduzir isso ao mínimo sem nos imobilizarmos na exploração desta grande riqueza que o acaso nos deu e a Petrobras nos fez descobrir.
A primeira pergunta é se temos a capacidade tecnológica e gerencial para explorá-lo, nas dificeis condições que nos dão os sete mil metros de profundidade, as altas pressões marinhas e as características corrosivas da camada de sal a ser cruzada para atingir os reservatórios petrolíferos.
A resposta é um completo sim. Talvez, aliás, a Petrobras seja uma das poucas petroleiras capazes disso.
A questão seguinte é: temos dinheiro para isso?
Poços pioneiros a estas profundidades não raro chegam a custar 150 milhões de dólares. Depois, bem conhecidas as características das rochas e suas camadas, este custo cai para cerca da metade do valor. Libra, na fase de atividade plena terá, calcula-se entre 90 e 100 poços produtores e outros tantos para injeção e gás. Além disso, nove ou dez navios FPSO, que recebem e processam entre 120 e 180 mil barris diários de petróleo e estocam perto de um milhão deles. Afora as instalações em terra, barcos de apoio, helicópteros e toda a parafernália necessária à exploração do óleo.
Tudo isso vai ficar perto de 100 bilhões de dólares e a Petrobras não tem este dinheiro disponível, obviamente. Ou só teria se abandonasse seus outros investimentos, em áreas do pré e do pós-sal.
Essa é uma realidade, independente de ser ou não agradável reconhecer.
A ideia de que o Governo poderia, via BNDES, financiar esse valor é tola, não apenas porque o BNDES só teria recursos tais se o Governo lhe fizesse um aporte-monstro, via títulos da dívida pública e, ainda assim, desconsiderando o fato de que é o Banco o principal financiador da cadeia produtiva do petróleo, sem a qual perderia o sentido multiplicador o investimento em petróleo, porque não se somaria a ele o realizado na cadeia de suprimentos: navios, equipamentos de perfuração, exploração e serviços técnicos especializados.
Diante disso, o grupo dos “oniristas” cria uma estranha teoria conspiratória: a de que Dilma teria feito um “pacto” com Obama para apressar a produção do pré-sal. Mais, que o Brasil, ao lado dos EUA, estaria formando com a China um “eixo do mal” para desestabilizar a OPEP, baixando os preços no óleo nos mercados mundiais.
Parece inacreditável, mas é o que diz o professor Ildo Sauer, ex-diretor da Petrobras e hoje um ferrenho crítico do Governo Dilma.
Com a paciência de Jó necessária para argumentar seriamente diante de algo assim, esclareço que a OPEP hoje tem um limite, acordado entre seus membros, com cotas de exportação da ordem de 30 milhões de barris/dia, volume do qual efetivamente pratica 25 milhões diários, em média.
Como se pode ver, exportarmos um milhão de barris diários ou até dois, como está previsto para 2020, não é uma quantidade capaz de “desestabilizar” a OPEP. Menos, menos, como dizemos aqui no Rio de Janeiro…
E o que propõem estas pessoas, no lugar de explorarmos o pré-sal agora e já?
Esperarmos, delimitarmos com exatidão estes e outros campos e depois, em condições políticas favoráveis, explorá-los exclusivamente através da Petrobras.
Muito bem, bonito mesmo.
Só que isso custa, igualmente, dinheiro. E muito. Além do mais, o poço exploratório, justamente o mais caros, e os de extensão, que demarcam os limites do campo, se bem sucedidos, tornam-se poços de exploração, e médio prazo. Logo, ou terão de ser feitos pelo Governo, pagando a uma empresa (em geral à própria Petrobras).
O argumento de que se pode obter dinheiro para esse fim assumindo compromissos de pagamento futuro em petróleo, francamente, o que tem de diferente de se associar para explorar uma reserva, dividindo em óleo o lucro?
A tese de primeiro fazer toda a demarcação do pré-sal para só depois tomar as decisões de exploração, além de parecer própria para paìses “que estão com a vida ganha”, sem necessidades prementes nas áreas sociais e de fomento ao crescimento, tem outras flagrantes desvantagens.
A primeira delas é que não escalona investimento e produção, à medida em que sugere que, uma vez demarcado o todo petrolífero, seja este explorado também como um todo, com os ganhos de escala correspondente. Ora, isso seria desastroso para um parque fornecedor de equipamentos e insumos petroleiros nacional, que já tem dificuldades em operar os volumes e prazos atuais e que teria de, depois de uma fase sem acréscimos de encomendas, de repente fazer frente a uma imensidão de demandas, sem estruturas e pessoal qualificado para um salto assim.
O resultado disso será, então, o de termos de comprar mais no exterior e menos aqui, comprometendo a política de elevado conteúdo que o Brasil e a Petrobras, especialmente, praticam. Já hoje este gargalo obriga a empresa a mudar planos de realização aqui de algumas encomendas de equipamentos e serviços, para não atrasar seus cronogramas de produção.
Além disso, essa posição “adiadora” – não bastasse estar adiando também os benefìcios para o país – desconhece uma regra básica da industria petroleira: a entrada mais rápida em produção de jazidas conhecidas nao apenas financia seu desenvolvimento pleno quanto também o de outras áreas prováveis, gerando caixa para sua execução.
Todos estes argumentos, entretanto, não seriam suficientesse implicassem trazer para a mais importante – ao menos, até agora – jazida do pré-sal companhias vinculadas a governos hostis à soberania brasileira, como vem se provando ser os Estados Unidos e seus satélites. Seria trazer para dentro da toca do tesouro os grupos que, amanhã, podem servir como pontas-de-lança de um projeto de dominação de nossas reservas.
E aí, nestas maravilhosas conjunções do acaso que nos trazem momentos ímpares para que uma nação redefina seus caminhos, três fatores surgiram.
Um, o desgaste político causado pela espionagem americana sobre o país e sobre a petrobras, especificamente, que se encarregou de afastar as grandes petroleiras americanas e inglesas;
Dois, o interesse chinês pela garantia de fornecimento seguro de petróleo provindo de áreas não subordinadas ao poder militar americano, como as do Oriente Médio.
Um parêntesis: sobre isso, recomendo firmemente a leitura da reportagem China intensifica corrida pelo petróleo sul-americano, publicada ontem pela agência alemã Deutche Welle. É uma das melhores análises desta questão já veiculadas e dela transcrevo: “A participação obrigatória da Petrobras, de no mínimo 30% do consórcio vencedor, desanimou grandes multinacionais, como as americanas Exxon e Chevron, além das britânicas BP e BG, mas não as estatais chinesas, que confirmaram o interesse pelas gigantescas reservas de petróleo do país.”São restrições que, para empresas privadas, significam controle e risco de interferência (do governo brasileiro) na gestão. O caso chinês é diferente, pois a participação deles é feita por conta do interesse estratégico de longo prazo”, diz o economista Evaldo Alves, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “A China entra na disputa não apenas com o objetivo de ter lucro, mas para obter mais uma fonte de suprimento.”
Fecho o parêntesis e volto. Três, este processo está sendo tocado pessoalmente pela mulher que instrumentalizou a única mudança nos marcos regulatórios de concessões realizado pelo Governo Lula, pela – então – presidente do Conselho de Administração da Petrobras que reergueu a empresa, pela mulher que disse ao descobridor do pré-sal, Guilherme Estrella, quando ele perdeu a petroleira Devon um único bloco bloco promissor, numa das licitações da ANP, apenas uma seca e dura ordem:
“Quando perdi o primeiro bloco para a Devon, que colocou 100% de conteúdo nacional, a então ministra Dilma Rousseff me ligou cinco minutos depois e disse: “Soube que você perdeu um bloco, isso não vai se repetir, está entendido?”.
E isso, agora com Libra, não vai se repetir.
MInha finada avó me ensinou que, quando a gente não quer o que é bom, fica argumentando com o ótimo, porque o ótimo transfere para o amanhã as decisões que devemos tomar agora, já, em nome do povo brasileiro e em nome do seu direito ao progresso. E não para deixá-as ali, adiadas, à espera de que os inimigos do Brasil se beneficiem de nossas fantasias.
A querida velhinha sempre repetia, também: de boa intenção o inferno está cheio….
Por: Fernando Brito
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